quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Lição 3: Aumentando a Participação dos Alunos

Um poderoso plano de aula deve conter estratégias efetivas que aumentem a participação dos alunos. Você tem de saber que, a participação dos alunos e o efetivo gerenciamento da sala estão diretamente ligados.
Quanto mais os alunos estiverem ativa e construtivamente participando da sua aula, menos problemas de indisciplina você terá.
Na verdade, o objetivo primeiro de um plano de aula é conseguir que 100% dos alunos participem da aula . Acha que isso é impossível ? Pois não é !!!
Existem muitas estratégias simples que você pode usar que aumentarão o número de alunos que participarão das suas aulas.
Atenção: Abro um parêntesis aqui apenas para lembrar que, a participação das alunos não se trata apenas de fazer com que os alunos levantem as mãos e perguntem algo. Esta é apenas um das formas de participação, por ser a mais convencional é amplamente utilizada por muitos professores.
Uma excelente maneira de aumentar a participação dos alunos é combinar duas estratégias de ensino muito simples que eu chamo de “registrar” e “compartilhar”.
Por exemplo, ao invés de perguntar e ter sempre os mesmos alunos levantando as mãos e dando a resposta, incremente com as duas estratégias acima dando a seguinte instrução: Farei uma pergunta e todos terão 3 minutos para escrever a resposta, após os 3 minutos darei mais 2 minutos para que, em pares vocês comparem e discutam com o seu par ou grupo as respostas.
Da forma convencional, apenas 10% participa, mas combinando estas duas estratégias você faz com que 100% da sala esteja participando de forma ativa na sua aula.
O professor está no controle ao gerenciar o ambiente da sala de aula mantendo todos os alunos envolvidos na tarefa, pois está limitando que ocorrências negativas venham a interromper a aula.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Lição 2: Previna a confusão

Vamos encarar a realidade: os alunos (e também os adultos) ficam frustrados quando não compreendem, ou não sabem o que vem a seguir. Assim, tanto para os alunos, como para os adultos, esta frustração acaba desembocando em problemas de disciplina.
Assim, é de suma importância que os professores saibam antecipar e evitar qualquer possibilidade de confusão “ antes” que os problemas apareçam. Lembre-se, o gerenciamento efetivo da sala de aula requer um professor que seja proativo.
Uma maneira de evitar a confusão do aluno é ser consistente. Sua aula, jamais deverá ser uma surpresa para os alunos. Por exemplo, tenha sempre definido a sequência, ou ordem da sua aula especificado logo no início para os alunos. O roteiro do que acontecerá na aula não deve ser um mistério para os seus alunos.
Você pode fazer isso, colocando no canto superior direito do quadro negro a seqüência de atividades que ocorrerão naquela aula, bem como o tempo para cada uma delas.
Informe também qual é o objetivo daquela lição, o que você espera que eles aprendam. Você não acha que seria uma boa idéia seus alunos também saber o que se espera deles ?
Uma outra estratégia de aprendizado muito simples que reduz consideravelmente a confusão dos alunos é checar o entendimento deles ao longo da aula. Simplesmente pergunte a um ou dois alunos (escolha aleatoriamente) para repetir o entendimento do que você acabou de ensinar. Você pode usar esta estratégia quer seja na hora da explicação de algo novo, nas orientações para um trabalho em grupo, ou até mesmo no estabelecimento dos combinados da sala.
Fazendo isso várias vezes ao longo da aula você constatará cada vez menos confusão dos alunos e por conseguinte menos problemas de gerenciamento da sala.
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A lição de hoje parece ser simplista, entretanto, muitas vezes são as estratégias mais simples que resultam em maior sucesso.
Ensinar não tem que ser uma experiência penosa, desde que você conheça as estratégias mais eficientes para usar.
Dentro de alguns dias você receberá a Lição no. 3.
Na lição 3 você aprenderá uma maneira bem simples de conseguir 100% de participação dos alunos nas suas aulas.

Abraços e até lá !!

Roseli Brito
Pedagoga - Psicopedagoga - Coach

Gerenciamento da Sala de Aula

Lição no. 1- Como aumentar a motivação dos alunos
Vamos começar esclarecendo o que NÃO é gerenciamento da sala de aula.
O Gerenciamento de Sala NÃO se trata de criar nenhum sistema de punição e recompensa. Ao invés disso, o efetivo gerenciamento da sala de aula é resguardar que todos os alunos estejam ativamente envolvidos nas tarefas. Deste modo o professor previne as questões que desestabilizam a gerenciamento da sala antes que elas ocorram....o professor torna-se proativo e deixa de ser reativo.
Entretanto, é difícil manter os alunos ativamente envolvidos se eles estão entediados ou desinteressados na aula. É por isso que o tédio dos alunos é um dos maiores fatores que contribuem para que questões que desestabilizam a sala de aula apareçam com freqüência.
É tarefa do professor é acender o interesse e aumentar a motivação para aprender. Como?
O melhor modo de fazer isso é criar uma conexão entre o que os alunos estão aprendendo e o que está acontecendo na vida deles.... em outras palavras, encontrar o ponto de convergência com o que é significativo para ELES.
Em História, Artes, Língua Portuguesa e Ciências é relativamente fácil fazer isso. Ao trabalhar, por exemplo, a mensagem dos `Hyppies” nos anos 70, sua roupas, seu gosto musical, peça aos alunos que façam uma lista do que hoje é considerado `rebelde`, após esta lista motive-os a compararem os modelos de expressão dos jovens nos anos 70 com os modelos que a juventude de hoje se utiliza.
A questão primordial é, se você conseguir que os alunos `queiram`aprender então tudo o mais torna-se muito fácil. Afinal quem tem o poder de criar um ambiente facilitador para o aprendizado é você.
Outro modo que os Professores podem aumentar a motivação para o aprendizado é utilizar perguntas que instiguem a reflexão e a crítica. Em ciências, por exemplo, ao levantar a questão da “ Gripe Suína “ que depois passou a ser chamada de gripe H1N1, instigar os alunos a refletirem o que a economia, os frigoríficos de carne suína tiveram a ver com isso.
Levantar dúvidas, instigar a reflexão, estimular o pensamento crítico acaba elevando a temperatura da discussão e faz com que os alunos se envolvam e queiram saber mais, e ao agir assim extrapolam o que está nos livros didáticos e partem para a vida real, o mundo em que vivem e passam a se apropriarem de conhecimentos que os afetam diretamente enquanto cidadãos.
Um terceiro modo de aumentar a motivação para aprender é a utilização de video. Ok, talvez pareça óbvio demais, porém muitos professores mostram o video no momento errado da lição….e sempre deixam o vídeo por último.
O video não deve ser deixado para o final, ou para o fechamento daquela lição. Ao invés de videos longos, utilize curtas, ou video clips no começo das lições para provocar os alunos e atiçar a curiosidade.
Aqui vai uma dica: você sabia que existe um site www.curtanaescola.com.br que oferece uma infinidade de curtas que podem ser assistidos no computador da escola, e podem ser usados em várias disciplinas ?
Então, vamos recapitular. As questões de gerenciamento da sala de aula estão diretamente ligadas ao tédio do aluno. Assim, o professor precisa aumentar a motivação dos alunos para aprender. Os professores podem lançar mão de três estratégias:
1. Criar conexões entre o conteúdo e os interesses dos
alunos
2. Usar o pensamento crítico e a reflexão para gerar
discussões
3. Usar o vídeo no início das lições para cativar o
interesse e a curiosidade
Espero que você tenha gostado da primeira parte do nosso curso de Gerenciamento da Sala de Aula. Encorajo você para que comece a aplicar estas estratégias na sala de aula.

Roseli Brito
Pedagoga, Psicopedagoga - Coach

domingo, 17 de janeiro de 2010

9. HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2003.

INTRODUÇÃOO livro baseia-se nos resultados de duas pesquisas sobre o aprimoramento e a reforma do ensino médio. Tais pesquisas foram realizadas em oito escolas localizadas no Canadá e nos Estados Unidos, foram financiadas pela fundação Spencer com sede neste último país, e teve o apoio de uma parceria financiada pelo Comitê de Educação da região de Peel e pelo Ministério da Educação e Formação de Ontário.Esta obra focaliza fundamentalmente a natureza, o impacto da aprendizagem e do desenvolvimento profissionais no ensino.O autor considera a época atual como propícia para uma reforma educacional ampla, uma vez que políticas, prática e conhecimento de pesquisa estão caminhando paralelamente e tentando um intercâmbio de aprendizagem entre si. Com este propósito, há um interesse mundial na maneira como as estratégias Key Stage , integraram os sistemas de ensino à pedagogia baseada em pesquisas e a um intenso aprimoramento profissional.A sociedade atual pode ser considerada como sociedade de conhecimento e esta se caracteriza, sobretudo, por produzir economias do conhecimento que são estimuladas e movidas pela criatividade e pela inventividade. Portanto, as escolas atuais, uma vez que fazem parte desta sociedade, deverão ter como norteador do processo ensino-aprendizagem a criatividade e a inventividade.

CAPÍTULO 1- O ENSINO PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO:
EDUCAR PARA A INVENTIVIDADE

Neste capítulo, o autor aponta a profissão de professor como paradoxal. O paradoxo está no fato de ser uma profissão que deve gerar as habilidades e as capacidades necessárias ao fazer profissional na sociedade do conhecimento. Este fazer profissional está diretamente relacionado à construção e inovação contínua da sociedade do conhecimento, o que é essencial para a prosperidade econômica. Ao mesmo tempo, os professores também devem lutar contra os resultados problemáticos provenientes da forma como está organizada a sociedade e a economia do conhecimento. Um destes resultados é a desigualdade social (o distanciamento entre ricos e pobres).Na Revolução Industrial os recursos do trabalho humano se deslocaram do campo para a cidade. Este movimento gerou fortes impactos na organização social resultantes da superpopulação e, consequentemente, da miséria urbana. Este fato provocou um re-direcionamento dos recursos voltados à criação de grandes instituições da vida e do espaço públicos, tais como a educação, as bibliotecas públicas e os grandes parques municipais visando a beneficiar as pessoas.A Revolução do conhecimento também tem provocado um redirecionamento dos recursos, mas este tem privilegiado bolsos privados como forma de aumentar as despesas dos consumidores e estimular o investimento no mercado de ações, o que resulta em especulações intermináveis. Esta situação favorece gastos públicos e a promoção de iniciativas privadas, o que coloca em risco muitas instituições, inclusive a educação. Em uma sociedade em que deveríamos obter o máximo do trabalho dos professores e de investimento nestes, uma vez que são os profissionais que preparam as crianças para a sociedade do conhecimento, seus salários têm sido reduzidos pela limitação e retenção dos recursos para este setor.A profissão de professor vem sendo desvalorizada. Muitos professores têm abandonado a profissão, e desestimulados ,outros a seguem. Estes se encontram presos em um triângulo de interesses e questões conflitantes, em que as laterais do triângulo podem ser representadas pela condição de catalisadores da sociedade do conhecimento e por responsáveis de criar contrapontos à sociedade do conhecimento e a suas ameaças à inclusão, à segurança pública e à vida pública. A base do triângulo representa as baixas da sociedade do conhecimento em um mundo onde as crescentes expectativas com relação à educação estão sendo respondidas com soluções padronizadas, ofertadas a custos mínimos.As explosões demográficas durante o que Eric Hobsbawn denominou como “a era de ouro da história”, épocas posteriores à Segunda Guerra Mundial, resultam em uma maior demanda por professores, pois havia um otimismo sobre o poder da educação e orgulho em exercer a profissão. É a era do profissional autônomo, com elevados salários e status. Mas, foram poucas as inovações, criadas nesta era, que perduraram. O que vemos, atualmente, é ainda a utilização de estratégias metodológicas tradicionais: alunos em sala de aulas, aulas expositivas, trabalhos a serem realizados por alunos e métodos de pergunta e resposta.Os países menos desenvolvidos não foram contemplados de forma digna com a riqueza econômica mundial. A ajuda foi direcionada ao estabelecimento ou à ampliação da educação básica fundamental, de nível médio e a alfabetização, níveis de escolaridade considerados necessários para o desenvolvimento econômico. Porém, os recursos foram limitados repercutindo em baixos salários de professores e na desqualificação destes.Na década de 90, a média de idade dos professores em muitos países da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) estava acima dos 40 anos. Sob as pressões da reforma, desânimo, níveis de estresse, as taxas de esgotamento de professores aumentaram, mesmo em países como o Japão, onde os ciclos de reforma educacional haviam começado mais tarde. Muitos professores começaram a se sentir desprofissionalizados à medida que os efeitos da reforma e da reestruturação se faziam sentir. A reforma escolar nas nações ocidentais se justificava à medida que se faziam comparações internacionais com outras formas de avaliar o processo de ensino-aprendizado: o milagre econômico dos “tigres” asiáticos de Hong Kong, Cingapura, Coréia, Taiwan e Japão. Contudo, a emergente sociedade do conhecimento necessita de muito mais flexibilidade no ensino e na aprendizagem do que foi permitido por essas tendências.Nessa sociedade, em constante transformação e autocriação, o conhecimento é um recurso flexível, fluido, em processo de expansão e mudança incessante. Na atualidade, conhecimento, criatividade e inventividade são intrínsecos a tudo o que as pessoas realizam A exigência que hoje se tem de educar para a inventividade está pautada nas dimensões que envolvem a sociedade do conhecimento: primeiro, esta engloba uma esfera científica, técnica e educacional ampliada; segundo, envolve formas complexas de processamento e circulação de conhecimento e informações em uma economia baseada em serviços; terceiro, implica transformações básicas da forma como as organizações empresariais funcionam de modo a poder promover a inovação contínua em produtos e serviços, criando sistemas , equipes e culturas que maximizem a oportunidade para a aprendizagem mútua e espontânea.

CAPÍTULO 2- O ENSINO PARA ALÉM DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: DO VALOR DO DINHEIRO AOS VALORES DO BEM

Ensinar para além da economia do conhecimento significa desenvolver os valores e as emoções do caráter dos jovens, ressaltar a aprendizagem emocional na mesma medida que a cognitiva, estabelecer compromissos com a vida coletiva e não apenas com o trabalho em equipe de curto prazo e cultivar uma identidade cosmopolita que suporte tolerância com diferenças de raça e gênero, responsabilidade para com os grupos excluídos dentro e além da própria sociedade.Com este propósito, os professores devem se comprometer com o desenvolvimento e com a aprendizagem profissional formal, trabalhar com os colegas em grupos de longo prazo, e ter oportunidades para ensinar e aprender em diferentes contextos e países. Para tais compromissos existem desafios, um destes é equilibrar as forças caóticas do risco e da mudança com uma cultura de trabalho capaz de gerar coerência entre as muitas iniciativas que a escola tem buscado.A sociedade do conhecimento é, de várias maneiras, mais uma sociedade do entretenimento na qual imagens fugazes, prazer instantâneo e pensamento mínimo fazem com que “nos divirtamos até a morte”.Na economia do conhecimento, o consumidor é o centro, para a maioria das pessoas, a opção está inversamente relacionada à significação.Ensinar, para além do conhecimento, implica resgatar e reabilitar a ideia do ensino como vocação sagrada, que busca uma missão social atrativa.

CAPÍTULO 3 – O ENSINO APESAR DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO I: O FIM DA INVENTIVIDADE

Este capítulo aponta para alguns resultados da pesquisa realizada nos Estados de Nova York e Ontário. Estes mostram que a reforma educacional, até aqui realizada, não tem preparado as pessoas para a economia do conhecimento e também não há preparo para o enfrentamento da vida pública para além desta economia.Os dados também apontam para os padrões curriculares: são suscetíveis a padronizações insensíveis à realidade. Este fato traz diversas consequências, como por exemplo, a degradação da própria graduação, o fracasso e a frustração dos professores.Ensinar para a sociedade do conhecimento, e ensinar para além dela, não precisam ser objetivos incompatíveis. Não é adequado tender para um lado específico do “pêndulo”: educando jovens para a economia ou para a cidadania e a comunidade. Essas posições polarizadas trazem poucos benefícios a eles, uma vez que ensinar apenas para a sociedade do conhecimento prepara os alunos e as sociedades para a prosperidade econômica, mas limita as relações das pessoas àquelas instrumentais e econômicas, além de restringir as interações de grupo ao mundo mecânico da “catraca” do trabalho em equipe temporário, canaliza as paixões e os desejos das pessoas para a terapia varejista das compras e do entretenimento e para longe das interações interpessoais. Ensinar exclusivamente para além da sociedade do conhecimento também poderá acarretar complicações, porque se, por um lado, favorece a atitude de cuidado e solidariedade, desenvolve caráter e constrói identidade cosmopolita, por outro, as pessoas estão despreparadas para a economia do conhecimento, o que poderá possibilitar a exclusão delas.Os professores e outros deverão agora se dedicar a unir essas duas missões, de ensinar para a sociedade do conhecimento e para além dela, em uma só, tornando-a o ponto alto de seu propósito.
CAPÍTULO 4 -O ENSINO APESAR DA SOCIEDADE DE CONHECIMENTO II: A PERDA DA INTEGRIDADE

A melhoria dos padrões de desempenho, na forma de metas com base em disciplinas, ou ainda a ênfase excessiva com base na alfabetização e nos cálculos aritméticos, acabam por minimizar a questão interdisciplinar importante à educação global, que está no centro da identidade cosmopolita. É também notório que, na reforma padronizada, os professores são tratados como geradores de desempenhos padronizados, monitorados de perto. Estes têm a vida profissional supercontrolada, o que gera uma insatisfação quanto à perda da autonomia, criatividade, flexibilidade restrita e capacidade limitada para exercer seu julgamento profissional. Este fato faz desabar a comunidade profissional, uma vez que os professores lutam de forma solitária, fazendo com que o amor pela aprendizagem desapareça.
CAPÍTULO 5- A ESCOLA DA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: UMA ENTIDADE EM EXTINÇÃO

Este capítulo mostra a experiência de uma escola bem sucedida. A escola de nível médio Blue Mountain, de Ontário, é exemplo de uma escola da sociedade do conhecimento. Destaca-se, sobretudo por ter, desde sua criação, seguido os princípios de uma organização de aprendizagem e de uma comunidade de aprendizagem.Esta escola promove equipes, envolve a todos no contexto geral de suas diretrizes, utiliza a tecnologia para promover a aprendizagem pessoal e organizacional, compartilha os dados e, com base no consenso, toma decisões, envolve os pais na definição das metas para os estudantes quando estes deixam a escola. A escola referida, além de ser uma comunidade de cuidado e solidariedade, caracterizou-se por ser uma comunidade de aprendizagem que dá valor diferenciado à família, aos relacionamentos e à preocupação cosmopolita com os outros no mundo. Portanto, além desta escola ensinar para a possibilidade de construção e de revitalização da economia do conhecimento, ensina para além desta possibilidade. No entanto, a reforma padronizada foi uma ameaça a essa escola, uma vez que reciclou as transformações em políticas e as direcionou de volta à escola em formatos rígidos que acabaram por tornar as mudanças inviáveis.

CAPÍTULO 6- PARA ALÉM DA PADRONIZAÇÃO: COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL OU SEITAS DE TREINAMENTO PARA O DESEMPENHO?
O Capítulo 6 traz uma análise das políticas de países que não pertencem a América do Norte, que passaram pela experiência de seguir um sistema educacional padronizado e, agora, aderiram à urgência de ir além dela. Esta urgência se caracteriza, sobretudo, pela crise de recrutamento de professores e pela necessidade de atrair e manter pessoas capazes na profissão.Existem outras tendências de mudança educacional, mas são conflituosas. Tanto os professores, quanto as escolas das nações e comunidades mais pobres, estão sendo submetidas a intervenções microgestadas nas áreas de alfabetização e aritmética, assumindo um modelo de seitas de treinamento para o desempenho. Estas proporcionam aos professores apoio intensivo para a implementação das intervenções altamente prescritivas em áreas “básicas” do currículo, que demandam benevolência profissional.Os riscos de ir além da padronização está na possibilidade do aparecimento de sistema de apartheid no desenvolvimento profissional, caracterizado pelos privilégios aos ricos e bem-sucedidos em participar da comunidade de aprendizagem profissional, enquanto os pobres e os fracassados sejam submetidos ao treinamento de desempenho sectário.

CAPÍTULO 7- O FUTURO DO ENSINO NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: REPENSAR O APRIMORAMENTO, ELIMINAR O EMPOBRECIMENTO
O Capítulo 7 traz o posicionamento contra o apartheid apontado anteriormente. Este posicionamento se caracteriza pela tarefa essencial de redesenhar a melhoria escolar a partir de linhas de desenvolvimento, voltadas a disponibilizar a comunidade profissional a todos, e pôr fim ao empobrecimento educacional e social que prejudica a potencialidade de avanço que muitas nações e comunidades possam ter. Sob este propósito, a busca da melhoria e o fim da pobreza deveriam ser missões sociais e profissionais fundamentais da reforma educacional no século XXI, em um dos seus grandes projetos de inventividade social.

CONCLUSÃO O propósito deste livro é apontar a natureza e a importância da sociedade do conhecimento, do mundo no qual os professores fazem atualmente seu trabalho.Os professores devem preparar os jovens para ter sucesso na economia do conhecimento, com a finalidade de sustentar a própria prosperidade e a de outros, como uma questão necessária à inclusão social, em que as chances sejam disponibilizadas a alunos de todas as raças, origens e habilidades iniciais. Nossa prosperidade futura está diretamente relacionada com a nossa capacidade de inventividade, de aproveitar e desenvolver nossa inteligência coletiva para os atributos centrais da economia do conhecimento, ou seja, para inventividade, criatividade, resolução de problemas, para a cooperação, para flexibilidade, para a capacidade de desenvolver redes e para lidar com a mudança e com o compromisso da aprendizagem para toda vida.O livro também aponta os custos da economia do conhecimento e algumas conseqüências trazidas por esta. Estas consequências podem ser percebidas em um mundo fragmentado e frenético que fragiliza as comunidades, corrói os relacionamentos, espalha a insegurança e prejudica a vida pública. Tendo em vista estes fatores prejudiciais, fruto deste tipo de economia, os professores devem ter como meta a preservação e fortalecimento dos relacionamentos.Ensinar para além da economia do conhecimento significa acrescentar à agenda da reforma valores que construam comunidade, desenvolvam capital social e uma identidade cosmopolita.As reformas educacionais têm visado à padronização insensível, o que torna quase impossível para muitos professores lecionar para a sociedade do conhecimento e além desta.
A proposta, apontada neste livro, é que se estabeleçam estratégias mais sofisticadas para a melhoria na sociedade do conhecimento, que combinem elementos de treinamento para o desempenho e de comunidade profissional em quase todas as escolas, possibilitando um diálogo crítico desde o início para impedir que o treinamento se torne seita complacente.Uma das grandes tarefas dos educadores é ajudar a construir um movimento social dinâmico e includente de educação pública na sociedade do conhecimento, visando às seguintes propostas:• Reacender seus próprios propósitos e missões morais em um sistema que começou a perdê-los de vista.
• Abrir suas ações e mentes a pais e comunidades e também se envolver com suas missões.
• Trabalhar com seus sindicatos para que se tornem agentes de sua própria mudança.
• Levantar-se corajosamente contra a injustiça e a exclusão, onde quer que a vejam.
• Reconhecer que têm uma responsabilidade profissional com todos, demonstrando isto por meio de redes de cuidado de solidariedade.Para que tais propostas sejam efetivas, cinco tarefas são exigidas de nós:
• Precisaremos reviver e reinventar o ensino como uma missão social apaixonada, vinculada à criação de uma sociedade do conhecimento includente, inventiva e cosmopolita, à transformação do mundo dos professores tanto quanto do seu trabalho. Todos, inclusive os governos, terão que ajudar nisto.
• Precisaremos ajudar a construir um movimento social que lute a favor do investimento em um sistema educacional e em uma sociedade de inventivos e includentes, que beneficiem a todos.• Precisaremos desenvolver estratégias mais sofisticadas de melhoria escolar, que reconheçam as diferenças entre professores e escolas e construam caminhos distintos de desenvolvimentos para todos eles.
• Precisaremos reconhecer que a inventividade, a experimentação e a flexibilidade mais elevadas não deveriam ser oferecidas apenas como recompensa a escolas afluentes e seus professores com desempenho superior, mas como incentivos poderosos aos melhores professores e líderes, para que assumam o desafio do trabalho transformador com crianças e escolas em comunidades pobres nos níveis inferiores.
• Precisaremos demonstrar coragem política e integridade, reconectando a agenda da melhoria educacional a um combate renovado ao empobrecimento social.A inventividade, o investimento e a integridade, assim como a identidade cosmopolita, são exigidas de todos nós. De outra maneira, a insegurança e o pior serão tudo o que teremos, e não menos do que merecemos.

20. Zabala, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998Maria Angélica Cardoso

Pedagoga, especialista em Formação Docente pela UNIDERP, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP.
O livro de Antoni Zabala objetiva “oferecer determinados instrumentos que ajudem [os professores] a interpretar o que acontece na aula, conhecer melhor o que pode se fazer e o que foge às suas possibilidades; saber que medidas podem tomar para recuperar o que funciona e generalizá-lo, assim como para revisar o que não está tão claro” (p.24).
1. A Prática Educativa: unidades de análise
O autor inicia o primeiro capítulo afirmando que “um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste em ser cada vez mais competente em seu ofício” (p. 13). Esta competência é adquirida mediante o conhecimento e a experiência.
Para Zabala a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas. Conhecer essas variáveis permitirá ao professor, previamente, planejar o processo educativo, e, posteriormente, realizar a avaliação do que aconteceu. Portanto, em um modelo de percepção da realidade da aula estão estreitamente vinculados o planejamento, a aplicação e a avaliação.Para analisar a prática educativa, Zabala elege como unidade de análise básica a atividade ou tarefa – exposição, debate, leitura, pesquisa bibliográfica, observação, exercícios, estudo, etc. – pois ela possui, em seu conjunto, todas as variáveis que incidem nos processos de ensino/aprendizagem. A outra unidade eleita são as sequências de atividades ou sequências didáticas: “conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos” (p. 18). Ou seja, a sequência didática engloba as atividades.
Apoiando em Joyce e Weil (1985), em Tann (1990) e em Hans Aebli (1988) Zabala determina as variáveis que utilizará para a análise da prática educativa, quais sejam: as sequências de atividades de ensino/aprendizagem ou sequências didáticas; o papel do professor e dos alunos; a organização social da aula; a maneira de organizar os conteúdos; a existência, as características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos; o sentido e o papel da avaliação.
Considerando a função social do ensino e o conhecimento do como se aprende como os instrumentos teóricos que fazem com que a análise da prática seja realmente reflexiva, Zabala utiliza dois grandes referenciais: o primeiro está ligado ao sentido e o papel da educação. As fontes utilizadas são a sócio-antropológica, que está determinada pela concepção ideológica da resposta à pergunta “para que educar?”; e a fonte epistemológica, que define a função do saber, dos conhecimentos e das disciplinas. Este referencial busca o sentido e a função social que se atribui ao ensino.O outro referencial engloba as fontes psicológica e didática. Dificilmente pode se responder à pergunta “como ensinar?”, objeto da didática, se não se sabe sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos e as estratégias de aprendizagem. Este busca a concepção dos processos de ensino/aprendizagem.
2. A Função Social do Ensino e a Concepção sobre os Processos de Aprendizagem: instrumentos de análise Com base no ensino público da Espanha, Zabala afirma que, além das grandes declarações de princípios, sua função social “tem sido selecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio reconhecido” (p. 27), subvalorando o valor informativo dos processos que os alunos/as seguem ao longo da escolarização.Uma forma de determinar os objetivos da educação é analisar as capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Contudo, existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano. Zabala utiliza a classificação proposta por Coll – capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação interpessoal e de inserção e atuação social. Mas quais os tipos de capacidade que o sistema educativo deve levar em conta?
Diretamente relacionados aos objetivos da educação estão os conteúdos de aprendizagem. Coll (1986) os agrupa em conteúdos conceituais – fatos, conceitos e princípios – procedimentais – procedimentos, técnicas e métodos – ou atitudinais – valores, atitudes e normas. Classificação que corresponde, respectivamente, às perguntas: “O que se deve saber?”, “O que se deve saber fazer?” e “Como se deve ser?”. Assim, no ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos de conteúdo estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a função propedêutica e universitária priorizará os conceituais.Quanto ao segundo referencial de análise – a concepção dos processos da aprendizagem – Zabala afirma que não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como as aprendizagens se produzem. As aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes. Daí decorre que um enfoque pedagógico deve observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. Assim, o critério para estabelecer o nível de aprendizagem serão as capacidades e os conhecimentos prévios de cada aluno/a. Esta proposição marcará também a forma de ensinar.
Zabala defende a concepção construtivista como aquela que permite compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem. Para esta concepção “o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios quanto permita a situação” (p. 38). Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel também ativo do educador. A natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio. Nesse processo intervêm, junto à capacidade cognitiva, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.Após expor, em condições gerais, o processo de aprendizagem segundo a concepção construtivista, o autor passa a expor sobre a aprendizagem dos conteúdos conforme sua tipologia.Os conteúdos factuais englobam o conhecimento de fatos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares. São conhecimentos indispensáveis para a compreensão da maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Considera-se que o aluno/a aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo, portanto, a compreensão não é necessária. Diz-se que o aluno/a aprendeu quando é capaz de recordar e expressar de maneira exata o original. Quando se referem a acontecimentos pede-se uma lembrança o mais fiel possível. Se já se tem uma boa compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo comporta exercícios de repetição verbal, listas e agrupadas segundo ideias significativas, relações com esquemas e representações gráficas, associações, etc. Para fazer estes exercícios de caráter rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável.Os conteúdos conceituais abrangem os conceitos e princípios. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que, normalmente, descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. Considera-se que o aluno/a aprendeu quando este é capaz não apenas repetir sua definição, mas também utilizá-la para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui.
Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortado, saltar, inferir, espetar, etc. Em termos gerais aprendem-se os conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida. O segundo passo é que a exercitação múltipla – fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias – é o elemento imprescindível para o domínio competente do conteúdo. A reflexão sobre a própria atividade é o terceiro passo e permite que se tome consciência da atuação. O quarto e último passo é a aplicação em contextos diferenciados que se baseia no fato de que aquilo que se aprende será mais útil na medida em que se pode utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis.
O termo conteúdo atitudinal engloba valores, atitudes e normas. Cada grupo apresentando uma natureza suficientemente diferenciada. Considera-se que o aluno adquiriu um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo. Que aprendeu uma atitude quando pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao objeto concreto para quem dirige esta atitude. E que aprendeu uma norma, considerando três graus: o primeiro quando se trata de uma simples aceitação; o segundo quando existe uma conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma; e o último grau quando interioriza a norma e aceita como regra básica de funcionamento da coletividade que a rege.
Concluindo, Zabala identifica e diferencia a concepção tradicional da concepção construtivista, a partir dos dois referenciais básicos para a análise da prática. Na concepção tradicional a sequência de ensino/aprendizagem deve ser a aula magistral, que corresponde aos objetivos de caráter cognitivo, aos conteúdos conceituais e à concepção da aprendizagem como um processo acumulativo através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. As relações interativas são de caráter diretivo: professor → aluno; os tipos de agrupamentos se circunscrevem às atividades de grande grupo. A distribuição do espaço reduz-se ao convencional. Quanto ao tempo, estabelece-se um módulo fixo para cada área com uma duração de uma hora. O caráter propedêutico do ensino faz com que a organização dos conteúdos respeite unicamente a lógica das matérias. O livro didático é o melhor meio para resumir os conhecimentos e, finalmente, a avaliação tem um caráter sancionador centrado exclusivamente nos resultados.A concepção construtivista apresenta uma proposta de compreensividade e de formação integral, impulsionando a observar todas as capacidades e os diferentes tipos de conteúdo. O ensino atende à diversidade dos alunos, portanto a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Conforme Zabala (p. 51) “é preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades informativas que surge constantemente”. O objetivo será a melhoria da prática. Nesta concepção, o conhecimento e o uso de alguns marcos teóricos levarão a uma verdadeira reflexão sobre a prática, fazendo com que a intervenção pedagógica seja o menos rotineira possível.

3. As Sequências Didáticas e as Sequências de Conteúdo
Neste capítulo o autor apresenta o estudo da primeira variável que incide sobre as práticas educativas: a sequência didática. Ele apresenta quatro unidades didáticas como exemplo e as analisa sob os aspectos do conteúdo, da aprendizagem, da atenção à diversidade e da sequência e tipologia dos conteúdos.O autor conclui que nestas propostas de trabalho aparecem para os alunos diferentes oportunidades de aprender diversas coisas, e para os professores, uma diversidade de meios para captar os processos de construção que eles edificam, de possibilidades de neles incidir e avaliar. Que os diferentes conteúdos que os professores apresentam aos alunos exigem esforços de aprendizagem e ajudas específicas.Refletir sobre o processo ensino/aprendizagem implica apreender o que está sendo proposto de maneira significativa. Discernir o que pode ser objeto de uma unidade didática, como conteúdo prioritário do que exige um trabalho mais continuado pode nos conduzir a estabelecer propostas mais fundamentadas, suscetíveis de ajudar mais os alunos e a nós mesmos. As diferentes propostas didáticas analisadas têm diferentes potencialidades quanto à organização do ensino. Portanto, “mais do que nos movermos pelo apoio acrítico a um outro modo de organizar o ensino devemos dispor de critérios que nos permitem considerar o que é mais conveniente num dado momento para determinados objetivos a partir da convicção de que nem tudo tem o mesmo valor, nem vale para satisfazer as mesmas finalidade. Utilizar esses critérios para analisar nossa prática e, se convém, para reorientá-la” (p.86).
1.As Relações Interativas em Sala de Aula: o papel dos professores e dos alunos
Para Zabala (p. 89) as relações de que se estabelecem entre os professores, os alunos e os conteúdos de aprendizagem constituem a chave de todo o ensino e definem os diferentes papéis dos professores e dos alunos.A concepção tradicional atribui ao professor o papel de transmissor de conhecimentos e controlador dos resultados obtidos. Ao aluno cabe interiorizar o conhecimento que lhe é apresentado. A aprendizagem consiste na reprodução da informação. Esta maneira de entender a aprendizagem configura uma determinada forma que relacionar-se em classe.
Na concepção construtivista ensinar envolve estabelecer uma série de relações que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, de representações pessoais sobre o conteúdo. Trata-se de um ensino adaptativo, isto é, um ensino com capacidade para se adaptar às diversas necessidades das pessoas que o protagonizam. Portanto, os professores podem assumir desde uma posição de intermediário entre o aluno e a cultura, a atenção para a diversidade dos alunos e de situações à posição de desafiar, dirigir, propor, comparar. Tudo isso sugere uma interação direta entre alunos e professores, favorecendo a possibilidade de observar e de intervir de forma diferenciada e contingente nas necessidades dos alunos/as.Do conjunto de relações necessárias para facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções dos professores, que Zabala (p. 92-104) caracteriza da seguinte maneira:
a) Planejar a atuação docente de uma maneira suficientemente flexível para permitir adaptação às necessidades dos alunos em todo o processo de ensino/aprendizagem. Por um lado, uma proposta de intervenção suficientemente elaborada; e por outro, com uma aplicação extremamente plástica e livre de rigidez, mas que nunca pode ser o resultado da improvisação.
b) Contar com as contribuições e os conhecimentos dos alunos, tanto no início das atividades como durante sua realização.
c) Ajudá-los a encontrar sentido no que estão fazendo para que conheçam o que têm que fazer, sintam que podem fazê-lo e que é interessante fazê-lo.
d) Estabelecer metas ao alcance dos alunos para que possam ser superadas com o esforço e a ajuda necessários.e) Oferecer ajudas adequadas, no processo de construção do aluno, para os progressos que experimenta e para enfrentar os obstáculos com os quais se depara.
f) Promover atividade mental auto-estruturante que permita estabelecer o máximo de relações com novo conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau possível e fomentando os processos de meta-cognição que lhe permitam assegurar o controle pessoal sobre os próprios conhecimentos e processos durante a aprendizagem.g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações presididos pelo respeito mútuo e pelo sentimento de confiança, que promovam a auto-estima e o autoconceito.
h) Promover canais de comunicação que regulem os processos de negociação, participação e construção.i) Potencializar progressivamente a autonomia dos alunos na definição de objetivos, no planejamento das ações que os conduzirão aos objetivos e em sua realização e controle, possibilitando que aprendam a aprender.j) Avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus esforços, levando em conta o ponto pessoal de partida e o processo através do qual adquirem conhecimentos e incentivando a auto-avaliação das competências como meio para favorecer as estratégias de controle e regulação da própria atividade.Concluindo, Zabala afirma que os princípios da concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar proporcionam alguns parâmetros que permitem orientar a ação didática e que, de maneira específica ajuda a caracterizar as interações educativas que estrutura a vida de uma classe, estabelecendo as bases de um ensino que possa ajudar os alunos a se formarem como pessoas no contexto da instituição escolar.
5. A Organização Social da Classe
Neste capítulo Zabala analisa a organização social da classe. As diversas formas de agrupamento dos alunos são úteis para diversos objetivos e para o trabalho de diferentes conteúdos. Historicamente a forma mais habitual de preparar as pessoas mais jovens para sua integração na coletividade eram os processos individuais. Atualmente são diversas as formas de agrupamento dos alunos e de organização das atividades às quais o professor pode recorrer.
A primeira configuração considerada pelo autor é o grupo/escola em que toda escola tem uma forma de estrutura social determinada. As características desta organização grupal são determinadas pela organização e pela estrutura de gestão da escola e pelas atividades que toda escola realiza. O grupos/classe fixos é a maneira convencional de organizar os grupos de alunos nas escolas. Além de sua facilidade organizativa, oferece aos alunos um grupo de colegas estável, favorecendo as relações interpessoais e a segurança efetiva. A terceira configuração, os grupos/classes móveis ou flexíveis são agrupamentos em que os componentes do grupo/classe são diferentes conforme as atividades, áreas ou matérias. As vantagens são, por um lado, a capacidade de ampliar a resposta à diversidade de interesses e competências dos alunos e, por outro, que em cada grupo existe uma homogeneidade que favorece a tarefa dos professores.
Na organização da classe como grande grupo todo o grupo faz o mesmo ao mesmo tempo. É uma forma de organização apropriada para o ensino de fatos; no caso dos conceitos e princípios aparecem muitos problemas. Para os conteúdos procedimentais é impossível atender a diversidade; no caso dos conteúdos atitudinais o grande grupo é especialmente adequado para a assembléia, mas é insuficiente. A organização da classe em equipes fixas consiste em distribuir os alunos em grupos de 5 a 8 componentes, durante um período de tempo. As equipes fixas oferecem numerosas oportunidades para trabalhar conteúdos atitudinais. A sexta configuração é a organização da classe em equipes móveis ou flexíveis. Implica o conjunto de dois ou mais alunos com a finalidade de desenvolver uma tarefa determinada. São adequadas para o trabalho de conteúdos procedimentais. Também será apropriada para o trabalho dos conteúdos atitudinais no âmbito das relações interpessoais.
O trabalho individual é especialmente útil para memorização de fatos, para o profundamente da memorização posterior de conceitos e, especialmente, para a maioria dos conteúdos procedimentais. Uma forma de trabalho individual especialmente útil é o denominado por Freinet de “contrato de trabalho”. Nos “contratos de trabalho” cada aluno estabelece um acordo com o professor sobre as atividades que deve realizar durante um período de tempo determinado. Essa forma trabalho é interessante só para aqueles conteúdos que permitem estabelecer uma sequência mais ou menos ordenada, ou seja, alguns conteúdos factuais e muitos conteúdos procedimentais.
Concluindo: a forma de agrupar os alunos não é uma decisão técnica prévia ou independente do que se quer ensinar e de que aluno se quer formar; os trabalhos em grupo não excluem o trabalho e o esforço individuais; os contratos de trabalho podem constituir-se num instrumento eficaz para articulara um trabalho personalizado interessante e pelo qual o aluno sinta responsável; o papel formativo do grupo/escola condiciona o que pode se fazer nos diferentes níveis da escola, educativamente falando, ao mesmo tempo que constitui um bom indicador da coerência entre as intenções formativas e os meios para alcançá-las.Quanto à distribuição do espaço: na estrutura física das escolas, os espaços de que dispõe e como são utilizados corresponde a uma ideia muito clara do que deve ser o ensino. Parece lógica que a distribuição atual das escolas continue a ser um conjunto de salas de aula com um conjunto de cadeiras e mesas enfileiradas e alinhadas de frente para o quadro-negro e para a mesa do professor. Trata-se de uma disposição espacial criada em função do protagonista da educação, o professor.
A utilização do espaço começa a ser problematizada quando o protagonismo do ensino se desloca do professor para o aluno. Criar um clima e um ambiente de convivência que favoreçam as aprendizagens se converte numa necessidade da aprendizagem e num objetivo do ensino. Ao mesmo tempo, as características dos conteúdos a serem trabalhados determinam novas necessidades espaciais. Para a aplicação dos conteúdos procedimentais torna-se necessário revisar o tratamento do espaço já que é necessária uma atenção às diferenças. Quanto aos conteúdos atitudinais, excetuando-se o papel da assembleia e das necessidades de espaço dessa atividade, sua relação com a variável espaço está associada à série de manifestações que constituem a maneira de entender os valores por parte da escola.
Quanto à distribuição do tempo: o tempo teve, e ainda tem, um papel decisivo na configuração das propostas metodológicas. Muitas das boas intenções podem fracassar se o tempo não for considerado como uma autêntica variável nas mãos dos professores.
A estruturação horária em períodos rígidos é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora. A ampliação dos conteúdos educativos e, sobretudo, uma atuação consequente com a maneira como se produzem as aprendizagens leva os professores a reconsiderar que estes modelos inflexíveis. No entanto, é evidente que o ritmo da escola, de toda uma coletividade, não pode se deixar levar pela aparente improvisação. O planejamento torna-se necessário para que se estabeleça um horário que pode variar conforme as atividades previstas no transcurso de uma semana.
6. A Organização dos Conteúdos
As relações e a forma de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem que formam as unidades didáticas é o que se denomina organização de conteúdos. Existem duas proposições acerca das formas de organizá-los: uma baseada nas disciplinas ou matérias; e a outra, oferecida pelos métodos globalizados, onde os conteúdos das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade.A diferença básica entre os dois modelos está no fato de que para os métodos globalizados as disciplinas não são a finalidade básica do ensino, senão que tem a função de proporcionar os meios ou instrumentos que deve favorecer a realização dos objetivos educacionais; o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. No caso dos modelos disciplinares a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem.
Tomando as disciplinas como organizadoras dos conteúdos têm-se, na escola, as diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matéria de estudo possibilitando estabelecer três graus de relações disciplinares:
1) Multidisciplinaridade: é a mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras.
2) Interdisciplinaridade: é a interação entre duas ou mais disciplinas que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais, da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.
3) Transdisciplinaridade: supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Nesta concepção pode se situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.
Quanto aos métodos globalizados, sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e suas necessidades educacionais. Os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Esse método nasce a partir do termo sincretismo introduzido por Claparède e, posteriormente, Decroly com termo globalismo.
Existem vários métodos que podem ser considerados globalizados, dentre eles quatro, por sua vigência atual, são analisados no livro: os centros de interesse de Decroly, o sistema de projetos de kilpatrick, o estudo do meio do MCE e os projetos de trabalho globais. O autor os analisa indicando seus pontos de partida, suas sequências de ensino/aprendizagem e suas justificativas. Zabala conclui que, embora todos priorizem o aluno e o como se aprende, o aspecto que enfatizam na função social é diferente. No centro de interesse a função social consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que sabem fazer; para o método de estudo do meio a formação de cidadãos democráticos e com espírito científico; e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de aprender a aprender. Contudo, apesar das diferenças, o objetivo básico desses métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela.
Concluindo, o autor afirma que inclinar-se por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que vai além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de um instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é que os tornam suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, uma vez que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.

7. Os Materiais Curriculares e os outros Recursos Didáticos
Os materiais curriculares são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e de sua avaliação. Por suas características eles podem ser classificados conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utiliza.
Na sequência o autor analisa o uso dos materiais didáticos conforme a tipologia dos conteúdos, o suporte dos diferentes recursos – sua utilização, vantagens e inconvenientes, elabora propostas de materiais curriculares para a escola e indica alguns critérios para análise e seleção dos materiais, quais sejam: detectar os objetivos educativos subjacente a um determinado material; verificar que conteúdos são trabalhados; verificar a sequência de atividades propostas para cada um dos conteúdos; analisar cada uma das sequência de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa; e estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.A conclusão do autor: de nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, se bem utilizado, não apenas potencializa o processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional.

8 . A Avaliação
Porque avaliar, como avaliar, quem são os sujeitos e quais são os objetos da avaliação são analisados nesse último capítulo. A avaliação é o processo-chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua função se encontra estreitamente ligada à função que se atribui a todo o processo. Nesse sentido suas possibilidades e potencialidades se vinculam para a forma que as próprias situações didáticas adotam. Quando as avaliações são homogeneizadoras, duras, fechadas, rotineiras, elas têm pouca margem para se transformar num fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas abertas favorecem a participação dos alunos e a possibilidade de observar, por parte dos professores; oferece a oportunidade para acompanhar todo o processo e, portanto, assegurar a sua idoneidade.
A presença de opções claras sobre a função do ensino e da maneira de entender os processos de ensino/aprendizagem e que dão um sentido ou outro à avaliação, soma-se à necessidade de objetivos com finalidades específicas que atuam como referencial concreto da atividade avaliadora, que a faça menos arbitrária e mais justa. Ao mesmo tempo exige uma atitude observadora e indagadora por parte dos professores, que os impulsionem para analisar o que acontece e tomar decisões para reorientar a situação quando for necessário. E os professores também devem aprender a confiar nas possibilidades dos alunos para auto-avaliar-se no processo. O melhor caminho para fazer é para ajudar os alunos a alcançar os critérios que lhes permitam auto-avaliar-se combinando e estabelecendo o papel que essa atividade tem na aprendizagem e nas decisões de avaliação. Finalizando tanto a avaliação quanto a auto-avaliação não pode ser um episódio ou um engano, mas algo que deve ser planejado seriamente.

19. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da Aprendizagem - Práticas de Mudança: por uma práxis transformadora. São Paulo: Libertad, 2003.

Avaliar aprendizagens é um sério problema educacional há muito tempo. Desde a década de 60, no entanto, a grande crítica são os enormes estragos da prática classificatória e excludente: os elevadíssimos índices de reprovação e evasão, aliados a um baixíssimo nível da qualidade da educação escolar, em termos de apropriação do conhecimento ou de formação de uma cidadania ativa e crítica. Recentemente, a avaliação está também em pauta como decorrência das várias iniciativas tomadas por mantenedoras, públicas ou privadas, no sentido de reverter este quadro de fracasso escolar. A discussão sobre avaliação não deve ser feita de forma isolada de um projeto político-pedagógico, inserido num projeto social mais amplo. Ultimamente, tem se analisado o papel político da avaliação, tem se criticado muito as práticas avaliativas dos professores, tem se indicado uma alternativa mais instrumental, mas não se apontaram caminhos mais concretos na perspectiva crítica. Marcados pelo medo de cair no tecnicismo, deixamos para um plano secundário a dimensão técnica de nosso trabalho. O professor quer sugestões, propostas, orientações para tão desafiadora prática; muitos gostariam até de algumas "receitas"; sabemos que estas não existem, dada a dinâmica e complexidade da tarefa educativa. Nós temos clareza da não existência de "modelitos prontos e acabados", entendemos que é necessário ao educador desenvolver um método de trabalho para não ficar apenas nos modismos.Ao trabalharmos com a dimensão das mediações visamos, de um lado, a apresentar algumas possibilidades, tiradas da própria prática das instituições de ensino e dos educadores que estão buscando uma forma de superação da avaliação seletiva, e, de outro, refletir sobre possíveis equívocos que se incorre na tentativa de mudar ações tradicionais.Fazendo uma análise das dificuldades observadas para a mudança da avaliação, parece que o que tem mais força na prática da escola são coisas que não estão escritas em lugar algum (currículo oculto), quase que uma espécie de tradição pedagógica disseminada em costumes, rituais, discursos, formas de organização; dá-se a impressão que isto determina mais a prática do que as infindáveis manifestações teóricas já feitas.Ao indicar mudanças, remete-nos à necessidade de envolvimento de todos com tal processo; para haver mudança, é preciso compromisso com uma causa, que pede tanto a reflexão, a elaboração teórica, quanto a disposição afetiva, o querer. No entanto tão logo emerge esta compreensão, vem também a ponderação de que a mudança não depende apenas do indivíduo, dado que os sujeitos vivem em contextos históricos que limitam suas ações em vários aspectos.Mudança é criar possibilidades: numa sociedade tão seletiva, num sistema educacional marcado pelo autoritarismo, seria possível avaliar de outra forma num contexto social assim contraditório e competitivo? A resposta a estas perguntas, antes de ser uma questão lógica ou teórica, é histórica: objetivamente, "apesar do sistema", ou seja, constatamos que os educadores estão fazendo. Como veremos no decorrer deste trabalho, o que visamos não é simplesmente fazer uma ou outra mudança, mas construir uma autêntica práxis transformadora. A tarefa que se coloca, a partir disso, aponta para três direções:- Fortalecimento: valorizar as práticas inovadoras existentes para que não sejam efêmeras.- Avanço: criar novas práticas.- Crítica: não baixar a guarda em relação à presença e influência da avaliação tradicional.No cotidiano escolar, muitas vezes, nosso empenho se concentra na mudança das idéias (nossas e dos colegas) a respeito da avaliação. Esta estratégia, embora importante, é insuficiente se não atentarmos para as estruturas de percepção e de pensamento: pode haver simples mudança de conteúdos num arcabouço equivocado. Nossa grande preocupação é a mudança da prática do professor. Toda ação humana consciente, toda prática é pautada por algum nível de reflexão. As idéias que nos habitam - assim como a maneira como operamos com elas - têm conseqüências práticas; a forma corno agimos sobre o mundo, seja o mundo educacional, político ou econômico, é em parte determinada pela forma como o percebemos (Apple, 1989:84). Qualquer inovação, antes de existir na realidade, configura-se na imaginação do sujeito. Fica claro, pois, o desafio de sermos criativos para imaginar novas formas de arranjo da prática educativa em geral, e da avaliativa em particular, e delas tirarmos transformação, aliada à fruição e alegria.As formas de mediação que traremos representam a sistematização de iniciativas que já vêm ocorrendo. Nossa contribuição vai no sentido de:a) Aprender com as práticas de mudança, procurar tirar lições e princípios;b) Ajudar a socializar, valorizar, validar práticas;c) Criticar, superar contradições;d) Explorar possibilidades ainda encobertas.O que está em pauta não é a mera existência de um rol de sugestões ou opções de o que fazer. O caminho para se chegar a uma prática transformadora é bem mais complexo: é a criação de um novo plano de ação do sujeito, que é fruto tanto da percepção de uma necessidade quanto da clareza de uma finalidade (dialética necessidade - finalidade - plano de ação). O problema não é apenas “ter o que fazer”, “saber” o que deve ser feito, e sim, interiorizar, entrar no movimento conceitual e no movimento histórico da atividade educativa. Por isto enfatizamos a questão do método de trabalho para o professor.Para mudar a avaliação, precisamos, obviamente, mudar seus elementos constituintes (exemplo: conteúdo e forma). Contudo,, embora necessário, isto não é suficiente, uma vez que a prática avaliativa não depende apenas dela mesma. Ora, no caso da avaliação, a partir do trabalho de análise sobre o material empírico, registrado dos discursos dos educadores e da observação da prática, nestas duas classes - Avaliação e Relações - emergem seis grandes categorias:- Avaliação: intencionalidade; forma; conteúdo.- Relações: prática pedagógica; instituição; sistema.Isto significa que a mudança da avaliação, para ser efetiva, deverá estar atenta a estes seis vetores; para se criar uma nova ecologia avaliativa, um novo ambiente cultural no campo da avaliação será preciso se dar conta, em alguma medida, destas seis dimensões.1) AVALIAÇÃO COMO COMPROMISSO COM A APRENDIZAGEM DE TODOS - POR UMA NOVA INTENCIONALIDADEA avaliação, para assumir o caráter transformador, antes de tudo deve estar comprometida com a aprendizagem da totalidade dos alunos. Este é o seu sentido mais radical, é o que justifica sua existência no processo educativo. A observação mais atenta aponta que as mudanças na avaliação têm ocorrido, mas não no fundamental, que é a postura de compromisso em superar as dificuldades percebidas. A questão principal não é a mudança de técnicas, mas é a mudança de paradigma, posicionamento, visão de mundo e valores.Neste primeiro capítulo, estaremos refletindo sobre esta mudança essencial no sentido da avaliação, analisada do ponto de vista de sua tradução em práticas concretas na escola. O que estará em pauta aqui é a intencionalidade que o professor atribui à avaliação no seu cotidiano.Aprendemos que o homem é um ser racional. Todavia, quando analisamos o conjunto de sua obra, bate uma séria dúvida, face às enormes contradições por ele produzidas. Sucede que, se olharmos com mais cuidado, percebemos que é racional, não necessariamente no sentido do bom senso, do bem, do belo, mas por ter uma razão, um porquê para sua ação. A intencionalidade é a marca humana por excelência; no longo processo filogenético, tornamo-nos homo sapiens porque intencionados, porque projetamos, não nos conformamos com as condições dadas. Notem que neste processo, naturalmente, a avaliação também teve um papel decisivo.Muitas têm sido as tentativas de mudança da avaliação. No entanto, muda-se, muda-se, e não se consegue transformar a prática. Onde estaria o núcleo do problema da avaliação?- No seu conteúdo (abrangência?).- Na sua forma (exigência quantitativa?).- Na sua intencionalidade (finalidade, objetivo?).- Nas suas relações (com a metodologia, com as condições de trabaIho, com o sistema de ensino, com a condição de vida dos alunos?).O acompanhamento de processes de mudança da avaliação em escolas e redes de ensino têm demonstrado o seguinte:1. A mudança em outros aspectos da avaliação (conteúdo, forma, relações) sem a mudança na sua intencionalidade não tem levado a alterações mais substanciais.2. A mudança na intencionalidade da avaliação, mesmo sem maiores mudanças em outros aspectos num primeiro momento, tem possibilitado avanços significativos do trabalho.Pode haver mudança no conteúdo e na forma de avaliar, pode haver mudança na metodologia de trabalho em sala de aula e até na estrutura da escola, e, no entanto, não se tocar no que é decisivo: intervir na realidade a fim de transformar. Se não houver um re-enfoque da própria intencionalidade da avaliação, de pouco adiantara. A intencionalidade é o problema nuclear da avaliação, portanto alguns cuidados devem ser reforçados:- não tomá-la como absoluta, definitiva.- não reduzi-la a um campo por demais particular ou especifico.- não confundi-la com a realidade.- não usá-la como refugio dos conflitos, para encobrir as contradições da prática.- não deixar de perceber seu enraizamento na realidade.A concretização de uma nova intencionalidade é, a nosso ver, o maior desafio contemporâneo da avaliação da aprendizagem. Ao analisarmos as condições para a mudança da intencionalidade da avaliação, encontramos muitos obstáculos; contudo, um dos maiores e a tradição avaliativa já existente: há a assimilação, por parte do professor, de uma verdadeira cultura da repetência, uma estranha indiferença para com a lógica classificatória, bem como para com os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar.No processo de mudança, visamos à incorporação da nova intencionalidade; porém, não há como “garantir” em termos absolutos, não há uma atividade que seja intrinsecamente emancipatória; exige-se atenção, espírito crítico, reflexão o tempo todo. Contudo, a busca de sua tradução em práticas concretas, coerentes com o princípio, é imprescindível e ajuda o enraizamento da nova concepção nos sujeitos e, no limite, na própria instituição. É preciso ousar, investigar, procurar caminhos para assegurar a aprendizagem. Existem soluções relativamente simples, que estão no espaço da autonomia do professor e da escola (abertura a novos possíveis!).A situação do professor, com muita frequência, está difícil; mas se internamente se fecha a possibilidade, se já não acredita que o aluno possa aprender, se já não tenta, com certeza ficará mais difícil ainda, tanto para ele quanto para o aluno. Esperar pouco do outro é uma forma de profundo desrespeito! O professor não pode desistir do aluno! Todo ser humano é capaz de aprender.2) CONTEÚDO E FORMA DA AVALIAÇÃOConteúdo e forma são duas dimensões essenciais na concretização da avaliação da aprendizagem. O conteúdo da avaliação diz respeito ao o que é tornado como objetivo de análise. A forma refere-se ao “como “ esta avaliação ocorre. Muitos professores expressam a percepção da necessidade de mudança tanto na forma quanto no conteúdo da avaliação por eles praticada. Do ponto de vista do processo de mudança, isto é importante por tratar-se de algo que constitui o cotidiano mesmo da avaliação, sua realização na sala de aula e que, em grande medida, está ao seu alcance por não depender tanto de fatores externos.Falar do conteúdo da avaliação e, antes de tudo, refletir sobre o campo sobre o qual irá incidir. A avaliação pode se dar sobre diferentes aspectos da realidade: indivíduo, sala de aula, instituição de ensino, sistema de ensino ou sociedade como um todo. Dependendo do foco, teremos suas varias modalidades: auto-avaliação, avaliação do processo de ensino-aprendizagem, avaliação institucional, avaliação do sistema educacional e avaliação do sistema social, que se articulam intrinsecamente. “Avaliar o aluno como um todo” é uma das representações mais fortes entre os professores quando tratam de suas práticas avaliativas: expressam isto tanto em relação ao que estão realizando, quanto ao que é idealizado.Quando vamos discutir com os professores alguma questão concreta de um instrumento de avaliação, não raramente vem certa decepção ou um sério questionamento. Percebe-se que o problema não está no instrumento em si - que pode variar, naturalmente, de qualidade -, mas naquilo que está sendo ensinado. Um dos grandes problemas da educação escolar é a falta de articulação entre o que se quer e a prática pedagógica, a intenção declarada e a enraizada. Assim temos dois aspectos essenciais na elaboração da proposta de trabalho:- O que o aluno precisa aprender (para definir o que ensinar)- Como o aluno conhece (para saber o que ensinar)A prática avaliativa, obviamente, se dará em cima disto, enquanto processo e enquanto produto:- O que se está ensinando, até que ponto é relevante?- Em que medida está se ensinando da forma adequada?A avaliação reflete aquilo que o professor julga ser o fundamental, “o que vale”.- mais ou menos consciente - Devemos atentar para o possível descompasso entre o que se pensa ser o mais importante e aquilo que efetivamente está se solicitando nas avaliações. A pergunta sobre o conteúdo da avaliação, sobre o que deve ser avaliado, resgata, pois, de imediato o questionamento: o que vale a pena ensinar?A forma de avaliar diz respeito ao “como”, a maneira concreta com que a avaliação se dará no cotidiano das instituições de ensino; envolve os rituais, as rotinas, o desdobramento das diretrizes e normas, enfim, as maneiras de fazer e de expressar os resultados da avaliação da aprendizagem.Quando interrogamos os professores sobre o como deve ser a avaliação, a perspectiva da avaliação como processo costuma ser outra representação das mais presentes e enfatizadas. Entendemos que avaliação processual, contínua, é essa atenção e ocupação permanente do professor com a apropriação efetiva do conhecimento por parte do aluno, com a interação aluno-objeto do conhecimento-realidade; é uma postura, um compromisso durante todo o processo de ensino-aprendizagem, e não o multiplicar “provinhas” - embora não prescinda de instrumentos e atividades variadas.Nossa preocupação fundamental se centra em relação à avaliação e à mudança de postura, visando superar sua abominável ênfase seletiva. Até que ponto o instrumento influi? Entendemos que os instrumentos não são neutros, embora tenham uma autonomia relativa. É claro que o como avaliar, a qualidade do instrumento também é importante, pois a própria transformação da postura do professor pode ficar comprometida se ele se prender a instrumentos e formas de avaliar tradicionais. Ocorre que este como está ligado à concepção (arraigada) de educação que o professor/escola tem. Se não mudarem as finalidades, de nada adiantara sofisticar o instrumento. São, portanto, desafios que se implicam: a mudança de postura em relação às finalidades (da educação e da avaliação) e a busca de mediações adequadas (de ensinar e de avaliar).O que vislumbramos é que os professores tenham uma tecnologia educacional incorporada, qual seja, que precisem cada vez menos de artefatos, mas que possam desenvolver mentefatos avaliativos (nele e nos alunos). Almeja-se que com o tempo o professor incorpore uma nova tecnologia de avaliação, de maneira que confie na sua experiência, na sua intuição e fique mais livre de instrumentos formais - embora estes não possam ser eliminados -. Como esta intuição não é nata, tem de ser trabalhada, construída, e constantemente criticada. Cabe lembrar, para que venham a se constituir em práxis transformadora, que as várias iniciativas avaliativas devem estar articuladas com a nova intencionalidade, bem como a outras dimensões do processo educativo.3) AVALIAÇÃO E VÍNCULO PEDAGÓGICOHistoricamente, a avaliação tendeu a se automatizar, a se tornar um fim em si mesma. Corrigir esta distorção implica reconhecer que a avaliação da aprendizagem se dá no campo pedagógico que, antes de mais nada, precisa ser resgatado, configurado e valorizado. Se a finalidade da escola pode ser assumida como a educação através do ensino, ao abordarmos o vínculo pedagógico, estamos diante do que é essencial na tarefa educativa escolar, sua atividade-fim. Todavia, esta finalidade não vem se realizando a contento, de tal forma que, na atualidade, o problema central da escola, do ponto de vista político, e a não totalidade dos alunos que por ela passa. Já da ótica pedagógica, compreendemos que o problema nuclear reside na proposta de trabalho equivocada.O grande desafio pedagógico em sala de aula é a questão da formação humana através do trabalho com o conhecimento baseado no relacionamento interpessoal e na organização da coletividade. Quando nos referimos ao vínculo pedagógico, queremos abarcar o conjunto do trabalho que o docente desencadeia em sala de aula e, particularmente, seu elemento fulcral que é a gestão mesma do processo de conhecimento (necessidades, objetivos, conteúdos, metodologia, relacionamentos, recursos, interfaces, além da avaliação).O trabalho de construção do conhecimento na escola está baseado no trabalho de gerações passadas e presentes; não realizar uma atividade significativa traz como consequência contribuir para a reprodução do sistema de alienação da organização social, na medida em que colabora para a formação de sujeitos passivos, acríticos.A avaliação deveria ser uma mediação para a qualificação da prática escolar. No entanto, não é isto que vem ocorrendo, dado que, quando surgem dificuldades em sala, procura-se resolver pela pressão da nota, e as questões pedagógicas fundamentais não são devidamente enfocadas. A existência da reprovação desde as séries iniciais introduz a alienação na relação pedagógica: ao invés de o professor investir na mobilização do aluno para o estudo, para a proposta de trabalho, passa a usar a avaliação como arma. No fundo, a questão seria muito simples: o professor resgatar o seu papel essencial que é ensinar. Embora isto pareça elementar, com frequência, a preocupação maior do professor, como analisamos acima, não está sendo ensinar, mas “sobreviver”, seja pela sedução, seja pelo controle.É necessário reconhecer que, no contexto da escola brasileira contemporânea, está muito difícil ser professor. Neste quadro, a avaliação tradicional tende a ser uma forma de alívio, uma vez que:- Do ponto de vista subjetivo, canaliza a culpa para alguém (aluno/família);- Do ponto de vista objetivo, das condições de trabalho (controle disciplinar).Mas o que colocar no lugar da pressão da nota? Duas perspectivas são fundamentais: o sentido para o estudo para o trabalho pedagógico e a forma adequada de trabalho em sala de aula. Estes dois elementos se combinam no processo pedagógico, de maneira que quando falta um, e o outro está presente, há uma espécie de compensação, mas quando os dois estão em baixo nível, o trabalho em sala fica quase impossível. O que se vislumbra, pois, em termos de superação é o poder de o professor estar centrado na proposta pedagógica, e não mais na nota.Os educadores, que estão inovando a prática pedagógica, apontam, como forma de superação do vínculo alienado, o resgate da significação do estudo e dos conteúdos, e a busca de uma metodologia participativa em sala, para que eles não precisem da nota a fim de controlar os alunos, ganhar o aluno pela proposta pedagógica e não pela "muleta" das ameaças. Por meio de novas atividades, professores e alunos redescobrem o gosto pelo conhecimento que vem da compreensão, do entendimento, da percepção do aumento da capacidade de intervir no mundo. Assim, a avaliação – como regulagem das aprendizagens – é tomada como base para reorientar a organização do trabalho pedagógico (replanejamento). O preparo adequado do curso, da segurança, firmeza, é que permite o melhor aproveitamento.A atividade do professor numa perspectiva dialética implica basicamente: conhecer a realidade, ter clareza de objetivos e traçar mediações significativas, agir de acordo com o planejado e avaliar sua prática (Methodos). E a tarefa fundamental é, a partir de um Projeto político Libertador, construir um vínculo pedagógico coerente com o compromisso com a aprendizagem efetiva de todos os alunos.4) AVALIAÇÃO E MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E SOCIAISNo processo de mudança, as manifestações dos educadores em relação à avaliação não se limitam a ela; muito pelo contrario, remetem a outros aspectos, inclusive a organização escolar e social. É importante percebermos este contexto maior e termos dele uma leitura crítica. A mudança avaliativa não pode ficar restrita à mudança de mentalidade e práticas dos professores; embora isto seja absolutamente fundamental, precisa ser articulada com mudanças estruturais da própria escola, do sistema educacional e da sociedade, sob pena de se comprometer qualquer esforço na direção de uma nova concepção dos atores sociais.A transformação na avaliação não se restringe a um esforço isolado do professor, mas é fruto de um trabalho coletivo; por outro lado, objetiva-se em estruturas: construção de novas formas de organização, rotinas, rituais, regras etc., a fim de que não seja preciso, a cada instante, a tomada de consciência e a boa vontade de cada um. As estruturas sintetizam o desejo do grupo num determinado momento, e certo que devemos estar atentos ao risco de se fossilizarem; portanto, pedem abertura à superação, mas nem por isso são dispensáveis; ao contrário, é a sua explicação e concretização que fornecerá o patamar para novas mudanças.A instituição deve ter uma forma de organização que seja inclusiva, que busque, de todas as maneiras, romper com qualquer subterfúgio que leve à exclusão. Este desejo, este comprometimento dos educadores, todavia, deve se traduzir em práticas concretas, em iniciativas, negociações, regras, leis, ritos, vale dizer, numa nova cultura institucional. O envolvimento da escola como um todo (também as estruturas administrativas e comunitárias) é condição para a consolidação da mudança da avaliação.Uma queixa recorrente entre os educadores diz respeito à carga horária das disciplinas. Muitas vezes, ouve-se a pergunta: “Como posso conhecer melhor os alunos, se pouco convivo com eles?" Ora, antes de ser uma questão de avaliação da aprendizagem, trata-se de avaliação curricular. O que se espera é a adequação da carga horária à proposta de ensino: para quem não sabe o que quer, solicitar aumento de aulas semanais sugere mais oportunismo corporativo do que zelo pedagógico.O individualismo está muito enraizado na sociedade e, em particular, no professor: são anos e anos de trabalho isolado; cada um busca a sua saída. Apesar de a participação individual ser fundamental, não podemos ficar limitados a isto. Uma coisa é um professor fazer algo inovador; isto tem seu valor. Mas quando a escola assume aquilo enquanto proposta coletiva, o significado é bem diferente em termos de processo de mudança.Reside aí a importância do Projeto político pedagógico, que é o piano global da instituição. É entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se objetiva na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. Trata-se de um importante caminho para a construção da identidade da escola. É um instrumento teórico-metodológico de transformação da realidade. Visa ajudar a enfrentar os desafios cotidianos, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica, científica, e, o que é essencial, participativa. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação, na medida em que expressa o compromisso do grupo com uma caminhada. Tornar vivo o projeto, não deixar que fique engavetado, fazê-lo advir, incorporá-lo na prática, não é tarefa especifica de um ou outro membro da instituição, e sim de todos que o construíram. O processo de elaboração participativa do projeto é um espaço privilegiado de construção do coletivo escolar.Uma das maiores tarefas colocadas para a sociedade no seu conjunto é conseguir articular uma efetiva visão de futuro positiva para a juventude. O ser humano gosta de desafios; a tarefa que está posta é a de superar sua formulação alienada - ser melhor, conseguir nota, passar de ano - e apontar novas tarefas para os alunos: aprender mais e melhor; não deixar ninguém pelo caminho, avançar juntos; refletir, desfrutar o prazer de conhecer; pensar com a própria cabeça; descobrir novas possibilidades de organização do real, ser capaz de intervir, abrir novos horizontes dentro e fora da escola.Concluímos, enfatizando a importância absolutamente essencial da participação do professor no processo de mudança na condição de sujeito (e não de objeto), caminhando de uma prática imitativa (cultura da reprovação) ou reativa (mera aprovação) a práxis transformadora (ensino de qualidade democrática para todos)!

18. TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 2001.Apresentação (Walter E. Garcia)

O autor é diretor da Oficina Inter¬nacional de Educação da UNESCO (Genebra), e este livro traz temas recorrentes na literatura pedagógica universal: competitividade, cidadania, crise e reforma dos sistemas educativos, qualidade, novas tecnologias, etc. Os temas da globalização e da abertura econômica só começaram a ter um debate mais intenso, no Brasil, na década de 90.
O grande tema sempre foi a dívida social, com seus desdobramentos. (9)Inúmeros fatores tornaram irrelevante a postura histórica da for¬mação dos sistemas tradicionais de educação, de que a qualificação das pessoas era feita para atender demandas. A reorganização dos sistemas de produção coloca em relevo novas atribuições, e exigem novas posturas dos atores educacionais: o aparecimento de novas necessidades educativas que se agreguem às funções tradicionais da escola. (10)Esperamos que estas mudanças não se transformem em cortina de fu¬maça para abandonar velhos dogmas da educação pública, gratuita, universal e obrigatória. A substituição desse paradigma por duvidosas políticas compensatórias pode representar um retrocesso inominável e uma traição para com o futuro do país. (10)Introdução A queda do muro de Berlim simboliza a crise dos parâmetros tradicio¬nais de definição das identidades políticas e ideológicas. Os movimentos educacionais não estão alheios a essa crise, e as certezas do passado desapareceram. A realidade contém paradoxos que são incompreensíveis nos termos das categorias tradicionais. (11)Ninguém sabe mais onde está situado. As respostas simples do passa¬do não são mais suficientes para definir uma orientação político-educacional que responda aos objetivos de democracia e equidade na distribuição do conhecimento. (12)Este livro busca refletir sobre o papel da educação neste novo cenário social, e tenta definir uma alternativa, tanto às tendências neoliberais como às tendências antimodernas fundamentalistas. (12)O olhar para o passado não tem nenhuma pretensão de análise histórica. Tenta ser um instrumento para entender aquilo que está mudando. O olhar para o futuro tampouco pretende anunciar o que virá, mas chamar atenção sobre para onde deveríamos orientar nossas ações. (12)Capítulo l - Vivemos uma revolução Crise e Educação são termos frequentemente associados. Por consequência, o sistema educacional tem sido uma das áreas das políticas públicas mais recorrente e sistematicamente "reformadas". (15)A crise da educação não é mais a mesma. A crise da educação já não se apresenta como um fenômeno de insatisfação no cumprimento de demandas relativamente estabelecidas, mas como uma expressão particular da crise do conjunto das instâncias da estrutura social: desde o mercado de trabalho e o sistema administrativo até o sistema político, a família e o sistema de valores e crenças. (15)A crise já não provém da forma deficiente de a educação cumprir os objetivos sociais que lhe são atribuídos, mas do fato de não sabermos que finalidades ela deve cumprir e para onde deve efetivamente orientar suas ações. Agora a crise implica em modifi¬car orientações e comportamentos. (15)Estamos vivendo um processo de profunda transformação social. Não estamos diante de mais uma crise conjuntural do modelo capitalista, mas diante do surgimento de novas formas de organização social, econômica e política (sociedade da informação, sociedade pós-capitalista, sociedade pós-industrial, terceira onda, etc.) (16)Antes, os críticos encontravam-se entre os próprios educadores, pesquisadores e acadêmicos. Agora se encontram, especialmente, entre atores externos ao processo pedagógico e às instituições educacionais. Os portado¬res do discurso 'revolucionário' são agora pessoas vinculadas às tecnologias de ponta, aos setores mais modernos da economia. (16)Em que consiste esta nova revolução
Há algumas características centrais que prefiguram a sociedade do futuro, e escolhemos três áreas para descrever os processos de transforma¬ção: o modo de produção, as tecnologias da comunicação e a democracia política. (17)A competição exacerbada pela conquista de mercados está modifi¬cando os padrões de produção e organização do trabalho: estamos passando de um sistema de produção dirigido ao consumo de massas para um sistema de produção dirigido a um consumo diversificado - as novas tecnologias baseadas na informática permitem a produção de pequenas quantidades de artigos cada vez mais adaptados aos diferentes clientes. (17)A flexibilidade na produção se expressa: nas noções de polivalência, nas equipes multitarefa, nas plantas multiprodutos, em que se valoriza a capacidade da pessoa para trabalhar em equipe e adaptar-se a condições e exigências de mudança. (18)Além da flexibilidade, a produção moderna requer uma distribuição diferente da inteligência. O taylorismo e o fordismo da produção em massa requeriam uma orga¬nização do trabalho hierarquizada de forma piramidal, na qual a criatividade e a inteligência concen-travam-se na cúpula, enquanto o restante das pessoas devia executar meca¬nicamente as instruções recebidas. (18)As novas formas de produção necessitam de uma organização mais plana e aberta, com amplos poderes de decisão nas unidades locais e com a inteligência distribuída de forma mais homogênea. O conceito de 'qualidade total' expressa essa necessidade. (18)A inovação e a melhora contínua tornaram-se uma necessidade. Os ciclos de vida dos produtos encurtam-se cada vez mais, obrigando a uma renovação constante dos projetos, o que estimula a capacitação permanente e a criatividade, assim como o tra¬balho em equipe e a associação com outros setores. Por outro lado, a reno¬vação constante gera uma forte instabilidade interna. (18)As novas condições de produção, baseadas no uso intensivo de conhe¬cimentos, têm um potencial de exclusão muito significativo - só pode assegurar condições de plena realização a uma minoria de trabalhadores. (19)As novas tecnologias da informação têm um impacto não só na produção de bens e serviços, mas também no conjunto das relações sociais. A acumulação de informação, a velocidade na transmissão, a superação das limitações espaciais, a utilização si¬multânea de múltiplos meios (ima¬gem, som, texto) são, entre outros, ele¬mentos que explicam o enorme poten-cial de mudança que essas novas tecnologias apresentam. (19)As mudanças nas tecnologias da comunicação alteram a estrutura de interesses (as coisas nas quais pensamos), mudam o caráter dos símbolos (as coisas com as quais pensamos) e modificam a natureza da comunidade (a área na qual se desenvolvem os pensamentos). A invenção da imprensa e seus impactos são muito parecidos, não só a atitude dos autores mudou, como também a dos leitores: antes, a leitura dos livros era um ato coletivo. Embora se tenha ampliado o acesso ao conhecimento, também se criou uma exigência do domínio do código de leitura. (19)Por fim, as mudanças provocadas no processo produtivo e nas relações sociais pelo uso das tecnologias da informação têm impacto direto sobre a vida política. Qual será a fórmula política por meio da qual se expressará esta nova realidade? (20)A educação diante da nova realidade social. O que há de novo é o papel que desempenham o conhecimento e a informação tanto na própria produção como no consumo. É consenso que o conhecimento constitui a variável mais importante na explicação das novas formas de organização social e econômica. (20)A educação, entendida como a atividade por meio da qual se produz e se distribui o conhecimento, assume, portanto, uma importância inédita em, pelo menos, dois sentidos:• Do ponto de vista político-social os 'detentores do conhecimento' desempenham um papel muito importante, tan¬to na geração de conflitos como em sua solução. As disputas pelos lugares onde se produz e se distribui o conhecimento constituem o centro dos conflitos sociais do futuro - o respeito e a proteção aos direitos de propriedade intelectual, a negociação sobre o controle da circulação de produtos culturais, como os filmes e os vídeos. Os conflitos sociais e políticos também começam a ter uma maior densidade de informação, de conhecimentos e de utilização dos instrumentos tecnológicos: a manifestação através da Internet permite a participação, independentemente do lugar físico e da posição de cada um na hierarquia das organizações; (20/21)• Do ponto de vista dos conteúdos da educação, o desenvolvimento das tecnologias da informa¬ção cria a necessidade de evitar que se produza a separação defini¬tiva entre conhecimento e pensa¬mento. As tecnologias possuem uma enorme capacidade de acúmulo e processamento de informação. Esse processo, levado a seu extremo, suporia que fôssemos incapazes de entender, de pensar e de falar aquilo que, no entanto, podemos fazer. (21/22)Nesse contexto, a reflexão sobre o papel da educação na sociedade e em seu desenvolvimento implica definir os conhecimentos e as capacidades que a formação do cidadão exige e a forma institucional pela qual esse pro¬cesso de formação deve ocorrer. As instituições escolares não criam o con¬teúdo do processo de socialização. Ao contrário, é o conteúdo da socialização que define o desenho das instituições escolares. (22)Mas é preciso perguntar, primei¬ro, se a escola será a instituição socializadora do futuro e se a formação das gerações futuras exigirá esse mesmo desenho institucional. A sociedade do futuro deverá ser dotada de instituições capazes de manejar a incerteza. A experimentação começará a ser admitida na reflexão teórica e na prática política. (23)A reflexão filosófica volta a ter importânciaTrata-se de colocar as análises técnicas e operacionais no quadro global de uma concepção que dê sentido a nossas ações, e a discussão dos fins da educação em suas expressões técnicas, senão seriam não só estéreis do ponto de vista da ação, mas também pouco férteis teoricamente. (23)Capítulo 2 - A crise do sistema tradicionalNas sociedades ocidentais, o sis¬tema educacional respondeu, originalmente (final do séc. XIX), às exigências políticas do processo de constru¬ção da democracia e dos Estados na¬cionais e às exigências econômicas de construção do mercado. (24) Expandiu-se, com a estratégia de criar um sistema educacional articulado em níveis (primário, secundário e superior), correspondentes às idades e ao lugar que cada classe ocuparia na hierarquia social. Sequencialidade e hierarquização foram as duas catego¬rias associadas, em torno das quais organizou-se a atividade educativa escolar. A ascensão implicava o acesso a estágios cada vez mais complexos de compreensão da realidade e a posições sociais de maior prestígio e poder. (25/26)A crise do sistema tradicional manifesta-se na impossibilidade de man¬ter a vigência dessas categorias. A sequencialidade de acesso ao conhecimento é questionada pela necessi¬dade da aprendizagem e da formação permanente, e pela difusão da infor¬mação geral sem discriminação de idades que os meios de comunicação de massa realizam. A hierarquização é questionada pelo acesso universal à educação, pela ruptura dos víncu¬los de autoridade e pela dissociação entre ascensão educacional e ascensão social. (26)A formação do cidadão: nação e democracia A história da educação ocidental está relacionada à história da construção da nação, da democracia e do mercado. A partir do surgimento do Estado-nação, a legitimidade política passou a basear-se na soberania popular. A educação, entendida como processo de socialização, teve enorme importância na consolidação da nação; foi o instrumento por meio do qual se deu a integração política. A formação da cidadania implicou a adesão à na¬ção acima de qualquer outro vínculo - religioso, cultural ou étnico. (26)A nação e a democracia são construções sociais e, portanto, devem ser ensinadas e aprendidas. O que houve de peculiar na formação do cidadão foi a adesão a determinadas entidades socialmente encarregadas de difundir as normas de coesão social e de aceitação das regras de disciplina social. (26/27)A coesão social expressa-se pela aceitação de uma concepção comum do mundo e da sociedade e pela incorporação a um sistema que teorica¬mente seja capaz de abranger todos [todos o quê?]. A coesão promovida pelo processo de socialização escolar teve um forte caráter hierárquico, numa escala de níveis crescentes de complexidade, autoridade e hierarquia das posições sociais. A atividade educacional foi percebida e conceitualizada em termos da ordem social dominante. (27)A socialização escolar promovia o respeito à autoridade, o valor da dis¬ciplina, a aceitação de papéis e visões do mundo predefinidos, que dominavam a formação da família. A escola pública representava os valores e os saberes universais, aspectos que se colocavam acima das normas culturais particulares dos diversos grupos que compõem a sociedade; foi projetada como uma instituição que assu¬me a representação da vontade e dos interesses gerais, cuja responsabilidade era do Estado. (28/29)O projeto educacional caracterizou-se por uma articulação entre seu componente quantitativo (acesso universal e obrigatório) e qualitativo (laicismo, lealdade à nação, língua oficial, etc.). A confiança na educa¬ção das pessoas foi um elemento fun¬damental do êxito na construção do Estado-nação. Estava baseada na projeção da possibilidade de um futuro sempre melhor, de uma ampliação progressiva dos espaços de participação, liberdade e justiça. (29)O "déficit de socialização" da sociedade contemporâneaAs duas ideias básicas que definiram a formação do cidadão - democracia e nação - acham-se em processo de revisão. O desaparecimento do antagonismo entre Capitalismo e So¬cialismo provocou a obsolescência do sistema de representação. A ideia de cidadania associada à nação começa a perder significado. Em seu lugar aparece uma adesão a entidades supranacionais e uma retomada do comunitarismo local, no qual a integração define-se fundamentalmente como integração cultural, e não política. (29/30)Vivemos um período no qual as ins¬tituições educativas tradicionais, par¬ticularmente a escola e a família, estão perdendo capacidade para transmitir com eficácia valores e normas cultu¬rais de coesão social, o que caracteriza o "déficit de socialização". (30)Os novos agentes de socialização, os meios de comunicação de massa, não foram projetados como entidades encarregadas da formação moral e cultural das pessoas. Ao contrário, seu projeto su¬põe que essa formação já esteja adquirida e, por isso, a tendência dos meios é atribuir aos próprios cidadãos a responsabilidade pela escolha das mensagens que querem receber. (30/31)Família e socialização A socialização primária, que nor¬malmente se dá no seio da família, é a fase que o indivíduo atravessa na infância e mediante a qual se transforma em membro da sociedade; é a mais importante para o indivíduo, com ela ele adquire a linguagem, os esquemas básicos de interpretação da realidade e os rudimentos do aparato legitimador. (31)As duas características mais importantes da socialização primária são a carga afetiva e a identificação absoluta com o mundo tal como os adul¬tos o apresentam. Nesse sentido, é importante perceber que a socialização primária implica mais do que uma aprendizagem puramente cognitiva. Ela se realiza em circunstâncias de enorme carga emocional. (31)A socialização secundária é todo o processo posterior, que incorpora o indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo de sua sociedade. (31)Na sociedade atual, os conteúdos da socialização primária são transmitidos com uma carga afetiva diferente da do passado. Os grupos e as opções às quais uma criança é exposta tendem a diferenciar-se, a multiplicar-se e a modificar-se com uma velocidade sem precedentes. (31/32)A evolução do individualismo O credo do século XX é que cada pessoa é única, cada pessoa é ou de¬veria ser livre, cada um de nós tem ou deveria ter o direito de criar ou cons¬truir uma forma de vida para si, e de fazê-lo por meio de uma escolha livre, aberta e sem restrições. Essa am¬pliação das possibilidades de escolha tem consequências: (32/33)• na composição e no funcionamento da família: a incorporação da mulher no mercado de trabalho, a tendência a reduzir o número de filhos, o aumento das separações e do número de filhos que vivem sozinhos ou com um dos pais. Além disso, o direito de cada um a definir sua própria vida supõe que os pais adotem uma conduta menos 'autoritária', menos impositiva; (33/34)• produz-se uma diminuição do tempo real que os adultos significati¬vos passam com seus filhos; esse tempo é agora ocupado por outras insti¬tuições - escolas, creches, etc., ou pela exposição a meios de comunicação (quando a criança está só diante das mensagens que recebe). Os adultos significativos para a formação dasnovas gerações tendem a diferenciar-se. O ingresso nas instituições é cada vez mais precoce; (34)• os adultos perderam a segurança e a capacidade de definir o que querem oferecer como modelo às novas gerações. (34)Num sentido mais geral e profun¬do, a socialização primária começa a ser transmitida com uma carga afetiva diferente da do passado. (34)A televisão: o desaparecimento da infânciaA ausência de escolha supõe a au¬sência de informação sobre as opções possíveis. Ampliar o acesso à informação implica aumentar a possibilidade de escolha, revelar o segredo que existia, a perda do tabu, a incorporação da incerteza. (34)A televisão, particularmente, está revelando segredos da sexualidade, da violência e da capacidade dos adultos para dirigir o mundo. A televisão faz a criança ver o mundo tal como ele é. Na socialização tradicional, essa rea¬lidade era negada; para obter informa¬ções era necessário dominar os códi¬gos de acesso da leitura e da escrita, e estar presente nos cenários onde essa realidade se produzia. (35/36)A televisão suprimiu a barreira que a leitura impunha ao acesso à infor¬mação. A programação, por ser geral - dirigir-se a um público indiferenciado - evidencia todos os segredos da vida sem respeitar idades nem sensibilidades; não discrimina momentos nem sequências na difusão da informação. (36)Ver televisão não requer nem de¬senvolve habilidade especial; estabe¬lece as condições de comunicação que existiam antes da imprensa, e desfaz as linhas de separação entre crianças e adultos; suprime as exigências para o acesso à informação. (36)À medida que a informação adulta chega às crianças, a curiosidade delas se enfraquece, assim como a autoridade dos adultos. (36)A socialização familiar tradicional baseava-se na existência da infância como categoria especial, diferente. A distinção entre infância e vida adulta apoiava-se na existência de âmbitos desconhecidos, de segredos e da ideia de 'vergonha'. (36)Os segredos (vida sexual, dinheiro, violência, morte, doenças) eram mantidos e iam sendo revelados de forma progressiva, à medida que a criança estava em condições de ter acesso a esse conhecimento. A identidade infantil definia-se pela ignorância des¬ses segredos, a dos adultos pelo co¬nhecimento e capacidade de controle sobre eles. (36)Essas mudanças afetam as relações entre a família e a escola. As crianças chegam à escola com um núcleo básico de desenvolvimento da personalidade caracterizado pela debilidade dos quadros de referência, ou com quadros de referência que diferem dos que a escola supõe e para os quais se preparou. (37)A escola era uma continuação da família. Mas na família estabeleceu-se a diferenciação, o respeito à diversidade, a ampliação dos espaços de escolha e a personalização. Na esco¬la, manteve-se a indiferenciação, a resistência à diversidade. As opções clássicas transformaram-se em puro formalismo, baseado em funciona¬mentos burocráticos, que debilitam a autoridade e a legitimidade da men¬sagem da escola. (37)Escola e socialização: o desapa¬recimento do professor As causas da perda da capacidade socializadora da escola vão desde a massificação da educação, a perda de prestígio dos docentes e a rigidez dos sistemas educacionais, até o dinamismo e a rapidez da criação de conhecimentos e o aparecimento dos meios de comunicação de massa. (37)A maior evidência é a deterioração do professor como agente de socialização. Produziu-se um processo de desaparecimento das distinções entre professor e aluno, acom¬panhado por um processo de perda de significação social das experiên¬cias de aprendizagem que se reali¬zam na escola. (38)A crise da autoridade adquire sua expressão máxima quando chega às áreas pré-políticas de exercício da autoridade, como são as relações entre professores e alunos e entre pais e filhos. (38)Os docentes, em consequência, tenderam a alhear-se do que lhes era próprio e específico. A ampliação dos saberes nos processos de formação docente esteve vinculada a regras de hierarquia, de critério e de seleção: avaliação, currículo, orientação, sociologia e política da educação, pesquisa, etc. A ampliação desses saberes teve um forte efeito desestabilizador, na medida em que gerou um alheamento da prática da aula. (39/40)A ausência de sentido A socialização atual enfrenta a perda de ideais, a ausência de utopia, a falta de sentido. A perda de finalidades faz desaparecer a promessa so¬cial ou política de um 'futuro melhor'. O fim da utopia provocou a sacralização da urgência, erigida em categoria central da política. A perda de sentido deixa os educadores sem pontos de referência. (41/42)Capítulo 3 - Qualidade para todosA crise se localiza mais no vínculo entre qualidade e quantidade do que na qualidade da educação em si mes¬ma. No modelo tradicional, esse vínculo era direto e linear: níveis mais altos de complexidade qualitativa es¬tavam associados a menor quantidade de indivíduos capazes de ter acesso a eles. (45)A expansão da matrícula escolar em todos os níveis rompeu o equilí¬brio tradicional, provocando um "excesso de certificação" educacional em relação à hierarquia social, o que ex¬plica a desvalorização geral dos diplomas e a crescente falta de correspon¬dência entre nível educacional e pos¬tos de trabalho. (45)A definição do que se ensina e de quem tem acesso a essa aprendizagem tornou-se fator central da definição sobre a distribuição do poder e da riqueza. (46)Competitividade e cidadaniaO que mais chama atenção nos debates acerca do futuro é a importância que os não-educadores (empresários dos setores tecnologicamente mais avançados da economia, profis¬sionais da comunicação) conferem à educação, ao papel do conhecimento, da informação e da inteligência no processo produtivo. (46)O conhecimento tem virtudes de¬mocráticas intrínsecas como fonte de poder; diferentemente das fontes tradicionais de poder (força, dinheiro, terra), o conhecimento é sempre ampliável. Um mesmo conhecimento pode ser utilizado por diferentes pessoas, e sua utilização pode produzir mais conhecimento. (46/47)As empresas se classificarão em categorias vinculadas à intensidade de conhecimento que utilizem. A estru¬tura ocupacional será baseada em três categorias: (47)• serviços rotineiros, que implicam a execução de tarefas repetitivas;• serviços pessoais, que supõem a realização de tarefas rotineiras e repetitivas oferecidas cara a cara (servente, babá, taxista, mecânico, etc.);• serviços simbólicos, que se referem à identificação e solução de pro¬blemas, e definição de estratégias. Dependem da abstração, do pensamento sistêmico, da experimentação e da capacidade de trabalhar em equipe. (48)O conceito de 'inteligente' inclui ca¬pacidades não-cognitivas: afetos, emo¬ções, imaginação e criatividade. (48)Redefinição da relação educação-mercado de trabalho As capacidades requeridas para o exercício da cidadania e para a atividade produtiva abrem novas perspectivas ao papel da educação. (51)Segmentação e exclusão são os dois fenômenos que acompanham a expansão da economia baseada no conhecimento. A incapacidade do novo modo de produção para incorporar a população, de maneira estável, tem como consequência o desemprego, a pobreza, a violência, a intolerância. (52/53)A flexibilidade leva à subcontratação de partes do processo produtivo e à polivalência de seu pessoal, que deve adaptar-se a condições de trabalho em mudança. Esta exigência de polivalência e de adaptação permanente, unida às exigências de trabalho em equipe e de criatividade, gera um clima desestabilizador muito forte, tanto no plano individual como no institucional. (53)Uma das formas de resolver esta instabilidade é dotar as pessoas que ocupam esses postos de trabalho de condições de seguridade muito altas, como contrapartida a uma entrega total às exigências da empresa. Cada vez é mais importante a formação no pró¬prio processo de trabalho. Essa tendência pode derivar num cenário que se assemelharia à situação corporativa medieval: o setor 'dominante' seria o grupo de trabalhadores que possui os conhecimentos; os excluídos seriam quase 'inúteis'. (54/55)Do ponto de vista político, esses níveis tão altos de exclusão só poderi¬am manter-se com níveis igualmente altos de autoritarismo. As alternativas a esse cenário baseiam-se na definição de estratégias para manter a coesão social. O postulado central é evitar que o trabalho seja monopolizado por uma elite da sociedade. Esse cenário prenuncia o eixo de debates sobre as orienta¬ções educativas do futuro. (56)O conflito e a tensão transferem-se de novo para o âmbito quantitativo: definir quantos e quais terão acesso a essa formação. É por isso que a deman¬da de qualidade para todos, baseada no pressuposto de que todos os seres hu¬manos são capazes de aprender, constitui a alternativa mais legítima. (57)Capítulo 4 - As novas tecnologiasAs mudanças no modo de produção estão ligadas à utilização das tecnologias da comunicação e informação. Alguns tendem a crer que são as tecnologias que provocam as mudanças nas relações sociais, quando, na verdade, a evolução das tecnologias responde às exigências das relações sociais. (59)As tecnologias da comunicação e da informação respondem tanto às exigên¬cias do individualismo como às exigências de integração social. A discussão sobre as relações entre educação e tecnologias abrange os processos de socialização e de aprendizagem. (59/60)Do ponto de vista da socialização, as tecnologias não devem ser percebidas como uma ameaça à democracia e à formação das novas gerações. Do ponto de vista do processo de aprendizagem não devem ser percebidas, utopicamente, como a solução para todos os problemas de qualidade e cobertura da educação. (60)Televisão e aprendizagemOs meios de comunicação são acusados de ser um dos elementos responsáveis pelos desvios morais da infância e da juventude. Mais tempo na frente da televisão acarreta diminuição no interesse pela leitura, maiores possibilidades de obesidade e passividade psíquica, índices mais altos de violência, agressividade e medo da violência real. Atribui-se esse proble¬ma à lógica puramente comercial da programação. (60/61)É preciso reconhecer que os fenô¬menos mais graves de violência, xenofobia e intolerância cultural que ocorrem, não estão ligados a uma exposição muito significativa da população à televisão. (61)A televisão mudou a natureza da opinião pública, que deixou de basear-se na avaliação intelectual das proposições para converter-se numa res¬posta intuitiva e emocional à apresentação de imagens. A imagem mobili¬za particularmente as emoções, os sentimentos, a afetividade, enquanto a leitura estimula a racionalidade e a reflexão. A publicidade supõe introduzir um comportamento não-racional na economia. (62)A multiplicação dos canais de tele¬visão e a ampliação dos circuitos de distribuição de conhecimentos, valores e padrões culturais pela imagem afetam profundamente os conteúdos do processo de socialização. Na socieda¬de contemporânea, na qual os vínculos primários se enfraquecem e a família já não transmite seus conteúdos com a força afetiva com que fazia no passa¬do, a socialização secundária começa a encarregar-se da afetividade. (63/64)A socialização através da imagem e não da língua escrita assume essa função e o faz não tanto através dos conteúdos, mas da forma que utiliza. Desse ponto de vista, a televisão tende a reproduzir os mecanismos de socialização primária empregados na família e pela Igreja: socializa através de gestos, de climas afetivos, de tonalidades de voz, e promove crenças, emoções e adesões totais. (64)Na tradição intelectual do Ocidente a imagem foi sempre subvalorizada em relação ao texto escrito. Uma socialização apoiada maciçamente na imagem implica que devemos aprender, e, portanto, ensinar, a defender-nos da manipulação induzida pela imagem. (64)Agora é necessário que se ensine a usar os meios para evitar que a imagem nos manipule, o que abre a porta para toda uma linha de ação educativa futura baseada em formar para o uso crítico dos meios. Mas o que significa isso? Muitos educadores sustentam a hipótese de que é necessário introduzir a comunicação como conteúdo de ensino, e, em consequência, enfatizam a necessidade de ensinar como se pro¬duz um jornal ou um programa de rá¬dio ou de televisão. Conhecer os me¬canismos de produção implicaria ad¬quirir os elementos para defender-se da manipulação. (64)Essa posição nos desvia do centro do problema, que passa pelos quadros de referência, tanto culturais como cognitivos, com os quais cada pessoa processa as mensagens que recebe. (64)O espectador realiza uma série de operações de identificação, reconhe¬cimento, diferenciação, que supõe a existência de um núcleo cultural a partir do qual são selecionados e processados os conteúdos dessas mensa¬gens. Quando esse núcleo não está construído ou o está muito debilmente, os riscos de alienação e dependência aumentam. (65)Os meios tomam como pressupos¬to que cada indivíduo já desenvolveu o seu quadro de referência, e a tendência é incrementar a diversidade da oferta para permitir que cada um escolha o programa que preferir. Os meios supõem que os espectadores já têm as categorias e as capacidades de observação, classificação, comparação, etc. necessárias para processar e interpretar dados que eles põem à nos¬sa disposição. (65)A evolução dos meios de comunicação tende a reproduzir a evolução das outras formas de democratização cultural. O interesse em dispor de uma televisão de caráter geral, pública e de boa qualidade, é um dos temas de qual¬quer política educativa do futuro. Necessitamos de uma estratégia destina¬da a reforçar as ações comunicativas através da leitura e da escrita. (65/66)Informática e educaçãoO computador e o telefone, dife¬rentemente da televisão, não se baseiam na imagem nem no domínio da afetividade. No computador a inteligência está distribuída de maneira inversa à da televisão: na televisão a inteligência está localizada no centro e os terminais são passivos; no computador, a inteligência está nos terminais e o cen¬tro é passivo. O telefone destina-se a assegurar a circulação da informação, sem implicar nenhuma concentração de inteligência nem no centro nem nos terminais. (67)No essencial, não há dúvida de que a utilização dessas tecnologias pode tornar-se um instrumento importante no processo de aprendizagem. A imagem, o texto e o som tendem cada vez mais a ser associados - aparatos multimídias. (68)A educação deve formar as capacidades que conformam um compor¬tamento inteligente, e, em relação ao acesso às tecnologias, coloca-se o problema do custo: uma educação de boa qualidade não poderá mais ser de baixo custo. (68)As tecnologias são 'máquinas relacionais' que permitem pôr em contato uma quantidade cada vez maior de pessoas, mas também servem para proteger-nos dos outros e da realidade do exterior. Esse problema implica identificar as demandas sociais capa¬zes de estimular o desenvolvimento de tecnologias voltadas para o reforço dos vínculos sociais, e não para sua ruptura. (69)As tecnologias supõem a liberação do tempo ocupado em tarefas rotinei¬ras e contribuem significativamente para aumentar nosso acesso à infor¬mação. Mas a informação por si só não acarreta conhecimento, e a mera exis¬tência de comunicação não implica a existência de uma comunidade. A construção do conhecimento e da comunidade é tarefa das pessoas. (69)É aqui que se situa, precisamente, o papel das novas tecnologias em educação: seu uso deve liberar o tempo que agora é utilizado para transmitir ou comunicar informação, e permitir que ele seja dedicado à construção de conhecimentos e vínculos, sociais e pessoais, mais profundos. (70)Capítulo 5 - A construção da identidadeA especificidade da atual situação educacional é que se perdeu a articulação entre a socialização primária e a socialização secundária. Não se tra¬ta, em consequência, de definir técnicas de aprendizagem ou projetos curriculares. As definições da atividade educativa não podem ser elabora¬das à margem do processo de socialização, sem uma ideia clara de articulação com as demais ações e instituições socializadoras. No contexto de instabilidade e incerteza, ocorrem fe¬nômenos sejam de regressão aos pontos de referência tradicionais, sejam de adesão a novos valores. (71)Assim, o que há de peculiar no atual período histórico é a importância que assume a atividade do sujeito na construção de sua identidade. As identidades não são mais impostas total¬mente do exterior, mas é preciso cons¬truí-las de forma individual. Esse enfoque permite que se explique a pluralidade das identidades. (72)A existência de sistemas de sentido (culturas) é cada vez menos sepa¬rável das inúmeras ações individuais que as questionam. O indivíduo incor¬porava 'sistemas' que existiam de forma independente, agora é a pessoa que deve reconstruir o sistema. (72)Se, por uma lado, a maior partici¬pação das pessoas na construção de suas identidades supõe a libertação dos limites impostos por crenças, preconceitos, visões pré-formadas da vida, por outro, priva os indivíduos da proteção que a posse de uma identidade fixa outorgava, na qual a responsabilidade pelo desenvolvimento das condutas era determinada de fora. (72/73)Essa ambiguidade constitui uma das fontes da atual reflexão filosófica e educacional: 'minha sorte não depende senão de mim mesmo'. (73)Essas mudanças no processo de construção da identidade afetam o papel e as modalidades da atividade educativa, em particular a educação formal, que foi organizada sobre dois pressupostos: que o núcleo básico da socialização já está dado pela famí¬lia; que há um modelo cultural domi¬nante, hegemônico, que a escola deve transmitir. (73)Quando a família socializava, a escola podia ocupar-se de ensinar. Agora, a escola começa a ser objeto de novas demandas para as quais não está preparada. Diante dessas mudanças na base do processo de socialização, a socialização secundária não permanece inalterada. Há uma espécie de secundarização da socialização primária e de primarização da socialização secundária. (73/74)A secundarização da socialização primária expressa-se pelo ingresso cada vez mais precoce em instituições escolares, pelo menor tempo passado com os adultos mais significativos (pais e mães) e pelo contato com os meios de comunicação. A primarização da socialização secundária se caracteriza pela incorporação de maior carga afetiva. (74)A crise das grandes estruturas e a tendência a operar com unidades pe¬quenas, autônomas e flexíveis, supõem o desaparecimento dos mecanis¬mos impessoais das grandes burocra-cias, substituídos pelos contatos cara-a-cara, em que a integração, o traba¬lho em equipe, a solidariedade constituem elementos-chave. (75)Isso implica, na atividade profissional, a tendência a incluir cada vez mais todas as dimensões da personalidade e não só a competência técnica, e, na necessidade de regular pela lei, aspectos que tradicionalmente eram auto-regulados por mecanismos culturais. O intenso personalismo é acompanhado por uma expansão da lei como instrumento de controle social, uma espécie de sucedâneo da autoridade tradicional. (76)Numa socialização mais flexível e aberta, a formação ética, dos valores e comportamentos básicos, passa a depender de instituições e agentes secundários. Supõe articulações entre o básico e o mutável. (77)A articulação entre o estável e o dinâmico No plano da ética, a construção da identidade supõe a articulação entre um núcleo básico, obrigatório, estável e um conjunto mutável de valores e regras de conduta. No plano social, a identidade também se define pela articulação entre o desenvolvimento da individualidade e o desenvolvimento da sociabi¬lidade, entre o obrigatório e o eletivo, entre a continuidade e a transformação. (77)A crise da modernidade parece haver reduzido ao mínimo o âmbito do estável. A fragilidade dos quadros de referência está associado à insegurança econômica, à perda de confiança, e pode provocar o reforço irracional da deman¬da de limites e padrões fixos. (77)A primeira manifestação desse retrocesso consiste em pessoas pensarem sistematicamente como vítimas, e não como responsáveis por seu próprio destino. Expandiu-se de forma significativa o traço cultural de buscar sempre um responsável pelo que não anda bem em nossa vida. (78)A segunda manifestação consiste em pensar e atuar não como indivíduo, mas como membro de um grupo - mulher pensa como mulher e só pode ser representada por mulher. O corolário desse esquema de pensamento é a fobia à mescla. (78)Assim, tendemos a pensar que, se o objetivo é conseguir o desenvolvi¬mento da tolerância, será necessário ser tolerante em todas as situações. Ao contrário, a obtenção de certos resul¬tados requer, em determinadas etapas do desenvolvimento, que se passe pela experiência oposta. (78)Nesse sentido, uma das críticas mais sérias às práticas educativas é que a educação tentou superar o problema da violência eliminando-a como tema das atividades. Nossa cultura tem essa especificidade: estimula o espírito competitivo, favorece os sentimentos agressivos que excitam a rivalidade, mas transforma em tabu a própria agressividade. Estamos habituados a condenar os atos de violência, porém o que nos faz falta é a promoção de modos satisfatórios de comportamento em relação à violência. (78/79)A ausência total de quadros de referência gera atitudes de criatividade, de tolerância, mas também gera atitudes de anomia, de dissociação e desvinculação social, e a busca de proteção na recriação de vínculos tradi¬cionais. Reside aqui o primeiro desa¬fio para a pedagogia: definir quais são os componentes do núcleo básico da personalidade e da inteligência e as modalidades de sua formação. (79)A articulação entre o próprio e o alheio: identificação da fronteiraA construção da identidade impli¬ca a identificação de uma fronteira. O ideal de tolerância e compreensão supõe não o desaparecimento das fron¬teiras, mas o desaparecimento da con-cepção do 'diferente' como um inimi¬go. O debate acerca de um conceito de cidadania alicerçado numa comunida¬de de nações (ex.: União Européia) permitiu que se percebesse a importân¬cia da 'ruptura cognitiva' que a supe¬ração do conceito de cidadania basea¬do no Estado-nação implica. (79/80)Parece oportuno evitar que se caia na demonização do nacionalismo. A integração numa unidade maior só será possível a partir da uma sólida e segura identidade cultural própria. A confian¬ça em si mesmo constitui o fundamento inicial de qualquer estratégia de integração e compreensão do 'outro'. (81)Formação para o exercício res¬ponsável da cidadania e redefinição do vínculo entre cidadania e nação são dois aspectos fundamentais da atividade educativa. (81)Individualismo e interesses geraisA crise das identidades e da repre¬sentação políticas trouxe consigo a crise do Estado e de todas as formas de expressão dos 'interesses gerais'. No capitalismo tradicional, os interes¬ses particulares de cada setor social eram apresentados como interesses gerais, e o êxito definia precisamente o caráter hegemônico de uma deter¬minada classe social. (81)A tensão entre interesses individu¬ais e gerais assume novos significa¬dos e manifestações. A tendência de dar maior poder de decisão aos cida¬dãos responde ao processo de demo¬cratização da sociedade, mas esse maior poder implica a existência de um alto nível de responsabilidade in¬dividual. O tema da responsabilidade constitui um tema central nas refle¬xões sobre o futuro. (82)A formação ética torna-se, então, um requisito central da formação ci¬dadã. A responsabilidade das empre¬sas pelo problema do emprego e do meio ambiente, a responsabilidade dos meios de comunicação pela formação das pessoas, a responsabilidade dos educadores pela aprendizagem dos alunos, a responsabilidade dos alunos pelo seu próprio processo de aprendi¬zagem. Formar com responsabilidade implica aprender e aceitar que temos uma história comum, valores comuns, um destino comum. Reconhecer o outro como sujeito. (82)Identidade e capacidade de escolherA escolha é uma conduta que ocor¬re cada vez mais cedo no processo de formação da personalidade. Os jovens são convocados a escolher, a tomar decisões que há pouco eram definidas por autoridades externas: o Estado, a família, a Igreja. (83)O desenvolvimento da capacidade de escolher constitui, por isso, uma ta¬refa importante da educação, o que su¬põe uma pedagogia diferente: o traba¬lho em equipe, a solidariedade ativa entre os membros do grupo e o desen¬volvimento da capacidade de escutar constituem os elementos centrais dessa pedagogia, que devemos desenvolver do ponto de vista teórico e prático. (84)O conflito e a construção da identidadeEstas questões remetem ao papel do conflito, da oposição e da dificul¬dade na construção da identidade. A escola trabalhava sobre o universal, sobre o comum e, assim, apresenta¬va-se como neutra diante de importantes fatores de diferenciação cultu¬ral. Os fatores de diferenciação cultu¬ral pertenciam ou à família, ou à con¬dição de estrangeiro. (84)Os padrões entendidos como uni¬versais definiam-se por sua neutralida¬de em relação aos particularismos. O desafio de romper os particularismos conferia à neutralidade relativa da es¬cola um caráter ativo. (84/85)A crise do Estado-nação, as dificul¬dades cada vez mais sérias para garan¬tir mobilidade social e as mudanças culturais associadas ao processo de modernização esgotaram a vigência desse esquema de neutralidade. (85)Capítulo 6 - A escola totalQuatro ambiguidades se apresen¬tam no campo da educação: (87)• estratégia de dar prioridade à ex¬pansão da cobertura da educação pri¬mária: para alguns, uma consigna democrática e equitativa, para outros representa que só se quer oferecer aos setores populares a educação de base, monopolizando o acesso ao ensino superior para a elite: (87)• prioridade conferida à acão pú¬blica estatal: para alguns o setor pú¬blico é a garantia de equidade na oferta educacional; outras análises, no entan¬to, mostram que o Estado não é, por si só, uma garantia de equidade e que, ao contrário, pode exercer sua ação como aparato de dominação; (87)• a expansão das novas tecnologias: para alguns é promessa de realização de todas as utopias; para outros, constitui uma ameaça destina¬da a reforçar as desigualdades e os controles sobre os cidadãos; (88)• os objetivos da educação como atividade destinada à formação inte¬gral da personalidade são agora reivindicados não só pelos progressistas, mas também por atores que, no pas-sado, eram identificados como fortes opositores a essas propostas. (88)O esgotamento do paradigma da modernizaçãoA crise da educação está associa¬da ao esgotamento da organização social baseada na 'modernização'. Historicamente, a modernidade este¬ve associada quase exclusivamente ao aspecto da racionalidade. (88/89)A educação constitui, hoje, um dos fatores mais importantes na luta entre racionalidade e subjetividade. Os sen¬timentos e as paixões só eram promo¬vidos e permitidos nas áreas que cum¬priam um forte papel integrador - na¬ção, pátria. A socialização escolar es¬tava destinada a promover comporta¬mentos ajustados às exigências de um sistema baseado em regras impesso¬ais e comuns a todos. (89)A família é a responsável pela che¬gada do aluno à escola em condições de educabilidade, tanto materiais como psicológicas. Só sobre essa base a es¬cola pode assumir sua tarefa especi¬alizada e parcial, ou seja, racional. (89)As pedagogias que davam ênfase à formação para a liberdade e para a criatividade foram condenadas a desenvolver-se fora dos limites da esco¬la pública. (90)A crise atual é a crise das concep¬ções unidimensionais da modernidade: a racionalidade que nega a subjetivi¬dade e o valor da liberdade levou ao autoritarismo; a mera subjetividade, sem a racionalidade da ciência, conduz, da mesma forma, ao autoritarismo. O desafio da educação é encontrar a arti¬culação entre racionalidade e subjetividade no plano de uma ação social. (91)Os fins da educaçãoUma das características do proces¬so de modernização foi a ruptura com a ideia de 'fins últimos', os quais toda ação humana deveria tender a alcan¬çar. A educação organizou-se para cumprir sua função de integração so¬cial. A carência de 'fins últimos' põe em crise a crença de que temos algo a transmitir às novas gerações. (91/92)Devemos, então, discutir o senti¬do da atividade educativa, pois a au¬sência de sentido leva a propostas que representam um retorno à ideia de 'fins últimos e sagrados', que não se discutem e são impostos às pessoas, ou a propostas neoliberais, que se tra¬duzem no desenvolvimento de um in¬dividualismo anti-social, na busca de interesses individuais independente¬mente de suas consequências para o equilíbrio social. (93)A escola totalA escola definia-se por seu caráter de instituição de socialização se¬cundária: pressupunha que o núcleo básico da personalidade e da incorpo¬ração à sociedade já estava adquirido, e sua função concentrava-se na pre¬paração para a integração social. Esse modelo esgotou suas possibilidades, e a função da escola deve ser redefinida. (93)As mudanças mais importantes sus¬citadas pelas novas demandas à edu¬cação: que esta incorpore, de forma sis¬temática, a tarefa de formação da per¬sonalidade, além do desenvolvimento cognitivo; que rompa com a neutrali¬dade em relação às diferenças (uma tentativa de suprimir as desigualdades ou a tentativa de uniformizar e enqua¬drar todos num modelo cultural domi¬nante e/ou legitimar as desigualdades através do diferencial de sucesso no rendimento educacional). (94/95)Sabemos que, para que se supri¬mam as desigualdades, é preciso le¬var em conta as diferenças, e, além disso, o desenvolvimento da persona¬lidade supõe que se ensine a assumir a escolha das identidades de gênero, religião e cultura. A tarefa de formação da personalidade afeta todas as dimensões da instituição escolar: cur¬rículo, critérios de avaliação, corpo docente, etc. (95)Assumir a formação da personali¬dade implica que a escola não poderá mais deixar de lado certos temas, mas deverá assumi-los, promovendo seu conhecimento e sua discussão. O de¬bate sobre a compreensão do fenôme¬no religioso e suas diferentes expres¬sões, por exemplo, é fundamental na formação de uma cultura cidadã. (96)É muito importante, ainda, refor¬çar a formação ética, na qual valores como responsabilidade, tolerância, justiça e solidariedade constituem o corpo central da formação do cidadão, e que se rechacem tanto a negação da subjetividade, como a ideia de um modelo único de pessoa ao qual todos devemos tender. (96)É preciso promover o vínculo en¬tre os diferentes, promover a discus¬são, o diálogo e a troca. Definir formas de promover o 'desejo de saber' e de formar os quadros de referência para processar a informação disponí¬vel que circula na sociedade. (96/97)A função de integração social de¬verá ser redefinida a partir da prepa¬ração para o trabalho em equipe, o exercício da solidariedade, o reconhe¬cimento e o respeito às diferenças. Essa formação exige, também, uma articulação entre o grupo e o indiví¬duo. Ser membro de uma equipe im¬plica dispor de algo para contribuir. A excelência individual não é contradi¬tória com o trabalho coletivo. (97)As novas tecnologias permitem que se libere o tempo aplicado a tare¬fas rotineiras, para liberar o professor da tarefa de fornecer informações ou de preencher formulários administra¬tivos, para permitir que ele reforce a atenção personalizada, conforme o rit¬mo de cada aluno, e para o trabalho em equipe. Formar as capacidades de análise e síntese, e de criatividade. A base do novo trabalho é a motivação para o esforço que o processo de aprendizagem requer. (97/98)O simplismo do entretenimento e a ausência de perspectivas de traba¬lho são fatores muito poderosos de desmotivação para o esforço de apren¬dizagem. A promoção de estratégias para o tempo de lazer baseadas em atividades de grupo constitui o ponto de partida para tornar a distração um fator educativo. (99)A escola deve assumir a tarefa de promover estratégias baseadas na supe¬ração da passividade e do individualis¬mo. O desafio é promover condutas nas quais a equipe, e não o indivíduo isola¬do, seja o fator de êxito, e o triunfo não signifique a eliminação dos outros, sem os quais não existe a possibilidade de continuar competindo. (99)Escola e sociedadeO modelo de desenvolvimento ca¬pitalista implica alto grau de dissociação entre as capacidades para a atividade produtiva e as capacida¬des requeridas pelo desenvolvimento da personalidade. (99/100)Durante as últimas décadas a expan¬são educacional produziu o seguinte fe¬nômeno: os egressos do ensino superi¬or começaram a ter acesso a postos tra¬dicionalmente ocupados por pessoas formadas no ensino médio; estas, por sua vez, ocuparam os postos para os quais antes só se exigia educação básica; e os que só possuem educação bási¬ca tendem a ser os candidatos mais cer¬tos ao desemprego. Não obstante, já se percebe que o desemprego afeta tam¬bém os mais preparados. (100)Um dos desafios futuros é a articu¬lação de uma proposta baseada na desvinculação entre educação e mobili¬dade social. A dificuldade é que ela per¬de um dos aspectos mais dinamizadores da expansão educacional. (101)Outro desafio é promover o prestí¬gio e a importância da formação básica, que implica romper com uma das diretrizes mais arraigadas no funcionamen¬to de nossos sistemas educacionais: su¬por que quanto mais básico é o conteú¬do, menores são os recursos necessári¬os. Os professores tendem a abandonar os postos dos primeiros graus. Os re¬cursos econômicos também são distri¬buídos da mesma maneira. Inverter essa tendência será uma das tarefas mais im¬portantes do futuro. (102)As tendências demográficas indi¬cam uma progressiva diminuição da demanda de acesso à educação bási-ca, acompanhada de maiores deman¬das de educação permanente. Essa mudança implicará uma reformulação do conceito de obrigatoriedade do en¬sino. (102)Capítulo 7 - Sistema ou instituiçãoA tendência à personalização dos serviços e a ênfase no desenvolvimen¬to integral da personalidade colocam exigências incompatíveis com algu¬mas das diretrizes dos modelos tradi¬cionais de organização e gestão das atividades educativas. (103)O Construtivismo ofereceu os fun¬damentos para a proposta de atribuir aos estabelecimentos e aos próprios docentes boa parte das decisões em ter¬mos curriculares, permitindo um pro¬cesso de aprendizagem baseado na ex¬periência acumulada tanto pelos alu¬nos como pela equipe docente. (103)A tendência agora é transformar as grandes organizações burocráticas em redes planas de instituições menores, destinadas a melhorar a eficiência da pro¬dução e a ajustar-se às necessidades dos clientes, e combater os problemas gera¬dos pelos sistemas centralizados: inefi¬ciência, pouca responsabilidade pelos resultados, isolamento, corporativismo, rigidez e imobilismo. (103) Isso pressupõe passar de um siste¬ma para uma instituição. (104)Desenho institucional e justiçaOrganizar a atividade educativa em função de um sistema significa, da perspectiva conservadora, a ideia de integração, de incorporação de todos a um sistema hierarquizado e aos va¬lores desse sistema; da perspectiva democrática, que o sistema garante a equidade, a igualdade em termos da utilização do principal mecanismo de ascensão social. (104)A educação, de acordo com esse pres¬suposto, foi organizada com base na ig¬norância de uma série de característi¬cas que definem a condição e as possibi¬lidades de cada um em relação à apren¬dizagem, ao desenvolvimento da inteli¬gência e das capacidades pessoais.A ignorância desses fatores foi entendida como uma condição da jus¬tiça. Tratar todos da mesma maneira foi o princípio básico. (105)A avaliação de resultados de aprendizagem fez emergir a reivindi¬cação das diferenças, que resiste à ideia de tratamento homogêneo, e per¬mitiu tratar cada um segundo suas necessidades. O conhecimento da 'especificidade' gera um novo princípio de vida social no qual a tolerância substitui a solidariedade e a imparci¬alidade substitui a igualdade e a equi-dade. A transparência gera, portanto, maior instabilidade. (105/106)É imprescindível dotar de maior autonomia os estabelecimentos, e adequá-los a traços particulares. Mas não se pode deixar que a adequação às diferenças torne-se uma adequação à desigualdade e se rompa a coesão social mínima indispensável à vida em comum. (106)O debate sobre a educação privadaDe uma perspectiva neoliberal, a autonomia dos estabelecimentos e a introdução de uma lógica de funcionamento baseada nas instituições es¬tão associadas à ideia de desregular o sistema educacional, atribuindo mai¬or espaço à atividade privada. (107)A controvérsia entre ensino públi¬co e ensino privado girou em torno de um eixo ideológico: ao Estado competia, com outras instituições, o con¬trole da socialização da população. Atualmente, a controvérsia gira em torno das demandas pelo direito à edu¬cação, e aparecem argumentos de tipo financeiro-administrativo. Em síntese, os principais argumentos para justifi¬car a necessidade de expandir o ensi¬no privado são: (107)a) a pressão de determinados grupos para manter seus padrões culturais; (107)b) o desafio de melhorar a qualidade da educação em contextos de restri¬ção orçamentária; (108)c) a necessidade de dinamizar o fun¬cionamento das instituições educaci¬onais; (108)d) o maior interesse privado pela educação, em virtude da revalorização do conhecimento como fator de produção. (108)Há ideias que permitem clarifi¬car o debate. A primeira é que não há uma associação unívoca entre privatização da educação, moderni¬zação e desenvolvimento social. A segunda é que não há uma associa¬ção unívoca entre privatização e desregulamentação do funciona¬mento das instituições educacio¬nais. A terceira é que não há uma associação unívoca entre privatização e melhores resultados de aprendizagem. (108)Público/privado e desenvolvi¬mento socialNo que diz respeito ao ensino pré-primário, o setor privado atende mais da metade das matrículas. Nos últimos anos, no entanto, houve uma expan¬são significativa da matrícula públi¬ca, particularmente para setores tra¬dicionalmente excluídos. (108)A análise do ensino primário indi¬ca que o setor privado tem absorvido entre 10% e 15% das matrículas. No caso do ensino secundário, nos países em desenvolvimento, alcançam qua¬se 30%, com declínio nos últimos anos. (109) Em termos gerais há dois padrões de desenvolvimento:• um, que se expressa numa con¬centração do esforço público no ensi¬no primário, deixando um papel mais ativo para a atividade privada no en¬sino médio e superior; e• outro, em que o setor privado as¬sume maiores cotas no ensino primá¬rio e um papel menos ativo nos níveis posteriores.Esses padrões refletem estruturas distintas de demanda educacional e, o que é mais importante, diferentes modelos de distribuição social dos re¬cursos públicos. (109)O Japão representa um modelo 'público/elitista': forte atuação do Estado na garantia da educação bási¬ca para toda a população e ensino su¬perior de alta qualidade. O setor pri¬vado é muito importante no nível secundário. (110)A experiência japonesa indica que a redução das exigências acadêmicas para permitir o ingresso massivo nas universidades privadas não gera mai¬or equidade, mas, ao contrário, con¬fere à educação pública a possibilida¬de de tornar-se um segmento de alta qualidade e prestígio. (110)Outro exemplo é o Brasil: os da¬dos indicam que, embora os esforços públicos sejam maiores na educação básica que na superior, existe uma porcentagem importante de matrícula primária privada. No entanto, as uni¬versidades públicas, como no Japão, são as que gozam de maior prestígio e nível de qualidade. (110)Os filhos das famílias de classe alta frequentam escolas privadas primárias e secundárias de boa qualidade, onde obtêm o preparo que lhes per¬mite ser aprovados nos exames de in-gresso às universidades públicas gratuitas. Os filhos das famílias de pou¬cos recursos, ao contrário, recebem uma educação primária e secundária pública, de baixa qualidade, que não os habilita nas provas de acesso à uni¬versidade pública e, portanto, têm de pagar por uma educação superior, ge¬ralmente de baixa qualidade. (110/111) A grande diferença entre os dois casos reside nos níveis de equidade existentes na base do sistema educativo. Os mesmos resultados no nível de ensino superior têm significa¬dos muito diferentes quando se analisa o conjunto do sistema educativo. (111)Escola privada e controle públicoExiste uma diversidade de formas de regulamentação pública da atividade educativa privada. Na Holanda o Estado oferece subsídio e mantém for¬tes regulamentações em aspectos-chave: currículo, sistema nacional de exa¬mes ao final da escola elementar e da escola secundária, e controle dos cri¬térios de seleção de estudantes. (112)O Estado limita a possibilidade de pagamentos adicionais; paga os salári¬os dos professores - do setor público e privado - mas não permite complementações salariais; fornece os edifícios - às instituições públicas e privadas - através dos municípios, mas com reembolso pelo governo central. O resultado é que as escolas privadas não recrutam alunos de origens sociais dis¬tintas dos das escolas públicas. (112)Privatização e qualidade da educaçãoEm geral, o ensino privado recru¬ta seu alunado em setores médios e altos, criando dessa forma um fenômeno circular: os alunos dotados de melhores antecedentes familiares re-cebem uma oferta escolar caracteriza¬da pela disponibilidade de equipamen¬to e de pessoal adequado, e obtêm re¬sultados mais altos que os produzidos pela escola pública. (112)Há casos em que a oferta privada estendeu-se aos setores populares com base em subsídios estatais. Argumen¬ta-se que ficaria mais barato financiar um estabelecimento privado que ofereça educação gratuita, do que finan¬ciar uma escola pública. (112)A identidade institucional como explicação para os bons resultadosOs dados indicam que a explica¬ção de bons resultados em aprendiza¬gem está muito mais na dinâmica institucional, do que no caráter pú¬blico ou privado. Os melhores rendi¬mentos estão associados à possibilidade de elaborar um projeto educativo do estabelecimento escolar, definido por objetivos claros, metodologias de trabalho compartilhadas, espírito de equipe e responsabilidade diante dos resultados. (114)Políticas de fórmulas mistas, que concentrem o gasto educativo nas populações com maiores carências, revelam-se muito mais equitativas que um serviço público-estatal que trate de forma homogênea populações di¬ferentes. A dicotomia entre eficiência e dinamismo como patrimônio do se¬tor privado e rigidez e ineficiência como patrimônio do setor público não é mais sustentável. (115)A autonomia dos estabelecimentos constitui uma via promissora para nos aproximarmos desses objetivos, desde que sejam definidos mecanismos de articulação que evitem a atomização e garantam uma efetiva coesão. (115)O desafio consiste em promover a coesão entre as instituições educaci¬onais a partir de elementos comuns, presentes no projeto de cada institui¬ção. Para isso, o conceito que pode permitir uma nova articulação entre a autonomia dos estabelecimentos e a necessária coesão entre eles é o con¬ceito de rede. (115)Redes educativasÉ preciso distinguir duas dimen¬sões que aludem às diferenças que precisam ser superadas para que uma rede funcione: a dimensão tecnológica e a dimensão social. (115)A dimensão tecnológica compre¬ende as infraestruturas materiais que constituem o suporte da rede e asseguram a comunicação e os fluxos de informação. A dimensão social com-preende tanto o sistema de relações entre os indivíduos, ligados ou vincu¬lados por algum interesse comum, como a cultura, que regula de forma não-explícita os contatos entre os membros da rede. (115/116)Participar de uma rede implica entrar em contato (pela voz, pelo ges¬to, pela escrita, etc.), e ter capacida¬de de entender-se, em torno de um projeto comum. Mas a característica fundamental é que uma rede pode ser mobilizada pelas iniciativas de cada um dos participantes e usuários. (116) A rede é o tipo de dinâmica que permite desenvolver o estímulo ao contato e ao intercâmbio entre os es¬tabelecimentos, que compartilham estratégias comuns, que se associam para beneficiar-se de economias de escala, que partilham informações, análises e recursos, etc. O desafio é tornar essa prática uma prática legí¬tima e estimulada. (118)O papel do Estado consiste em defi¬nir os objetivos, avaliar os resultados e intervir onde eles não forem satisfatórios. Em países em desenvolvi¬mento, algumas experiências de municipalização da oferta educacional evidenciam que as características do poder local podem ser um fator de rigi¬dez tão forte quanto à oferta centraliza¬da. Assim, o dilema que as políticas de descentralização e de atribuição de maior autonomia às instituições enfren¬tam é sua operacionalização. (118/119)Convém ressaltar que a autonomia institucional implica autonomia profis¬sional por parte do corpo docente. (119)Capítulo 8 - Os docentes: profis¬sionais, técnicos ou militantes?As modificações que a atividade educativa está sofrendo afetam diretamente o corpo docente. Na maior par¬te dos casos, são percebidas mais como ameaça do que como novas oportuni¬dades. Provocam sentimentos de inse¬gurança, de desconfiança. (121)Esse comportamento tem raízes profundas. É preciso reconhecer que nas últimas décadas ocorreu um processo claro de deterioração das con¬dições de trabalho e de profissionalismo dos docentes. Por outro lado, os processos de descentralização foram motivados pelo desejo de romper a unidade sin¬dical ou diminuir os gastos em educa¬ção, e não de melhorar a qualidade, sua eficiência ou a democratização do ensino. (121/122)Profissionalizar ou desprofissionalizar?O novo papel da educação e do conhecimento pressupõe a redefinição do papel dos educadores, pois implica níveis mais altos de profissionalização. Mas pode impli¬car, também, na desprofissionalização da atividade educativa. (122)É preciso distinguir entre a melhoria das condições de trabalho e o desenvolvimento da 'capacidade profissional', isto é, das aptidões ne¬cessárias ao desenvolvimento da ati¬vidade profissional. Os estudos revelam que as melhorias introduzidas no processo de formação dos professo¬res a fim de favorecer o 'status' não causaram um impacto significativo; e a melhoria da capacidade profissional não conseguiu neutralizar os efeitos de outras variáveis, tais como a ori¬gem social dos docentes e a alta pro¬porção de mulheres. (123)Muitos sustentam que a educação é uma atividade na qual a profissionalização não seria possível nem conveniente, visto que tem como objetivo determinar mudanças nas pessoas, e as decisões que o docente tem de assumir baseiam-se em opções éticas, em determinações culturais, em avaliações subjetivas e em teorias com escassa corroboração empírica, que não fazem utilização sistemática de um aparato teórico. (124)Equipe docente versus docentes isoladosUm dos traços mais significativos da atividade profissional dos docen¬tes é seu caráter individual. O esque¬ma tradicional não estimula a discus¬são nem a co-responsabilização pelos resultados e obriga o docente a enfren¬tar sozinho a solução dos problemas que sua atividade coloca. Aqui reside um dos obstáculos mais importantes para o desenvolvimento de uma cul¬tura técnica comum. (124)A autonomia dos estabelecimen¬tos permite a definição de um projeto pedagógico, que exige trabalho em equipe e acúmulo de experiências; os quais, por sua vez, permitem enfrentar com tranquilidade os diferentes aspectos do trabalho: ensino, avalia¬ção, pesquisa, etc., além de ter impli¬cações na gestão e nas condições de trabalho. (125)Promover a inovaçãoAlém do trabalho individual iso¬lado, a cultura profissional do docen¬te caracteriza-se por um forte ceticismo diante das inovações. Mas as aná¬lises mostram que o êxito das inova¬ções depende do compromisso e da participação dos docentes. (125)A inovação requer, também, lu¬gares de encontro, formação e pes¬quisa para os professores e diretores, onde seja possível discutir os proble¬mas de maneira menos corporativa. Requer, ainda, a instalação de uma rede que permita que interajam, par¬tilhem experiências, e que os estimu¬le e apoie. (126)Prioridade aos lugares onde se dá a formação básicaSó com uma boa formação básica será possível desenvolver as capaci¬dades requeridas para a atividade pro¬dutiva e cidadã. (126)Nesse contexto as maiores deman¬das de profissionalismo aparecerão nos âmbitos em que a tarefa educativa foi mais desprofissionalizada: a for¬mação básica. (126/127)A formação básica é a que deman¬da níveis mais altos de profissionalização pedagógica. Ensi¬nar a ler e escrever implica um conhe¬cimento técnico muito específico. Colocar os melhores docentes nesses lugares deve ser uma das demandas democráticas mais importantes. (127)Novos docentesA diversificação dos lugares de produção de conhecimentos e a neces¬sidade da educação permanente provocaram uma expansão, no âmbito da formação e nos tipos de educadores. Num contexto de evolução acelerada do conhecimento, só as pessoas vin¬culadas às atividades nas quais se pro¬duz e se utiliza o conhecimento serão capazes de dominá-lo de modo a po¬der transmiti-lo. (127)Em consequência, teremos os do¬centes básicos, encarregados da for¬mação do núcleo 'duro' da estrutura cognitiva e pessoal, e os docentes especializados, responsáveis pela for¬mação em campos sujeitos a revisão e renovação permanentes. A articu¬lação entre ambos será absolutamen¬te necessária. (128)A reação das corporações de do¬centes a qualquer iniciativa que ten¬da a romper o monopólio da função docente, se torna contraproducente se a dissociação entre os que têm o conhecimento e a informação e os que são responsáveis pelo ensino au¬mentar. Uma política de incorpora¬ção dos 'novos docentes' pode ser um fator de enriquecimento político e profissional. (128)Docentes e militantesHaverá um aumento significativo das exigências de compromisso pes¬soal do docente com os objetivos da tarefa educativa. A adesão a um pro¬jeto de equipe e a tarefa de formação da personalidade dos alunos implicam assumir de forma ativa os valores da democracia. (128)Uma das dificuldades mais impor¬tantes para avaliar o trabalho docen¬te, e orientar sua formação, é o pressuposto de que deve possuir as quali¬dades que vai formar nos alunos, ou, no mínimo, ter uma atitude que esti¬mule essas qualidades. Nesse aspec¬to, é preciso destacar a importância do trabalho de equipe. (129)A recuperação da paixão, do entu¬siasmo, é uma exigência, assim como a convicção de que todos podem aprender. As pesquisas mostram que as expectativas do docente cumprem um papel decisivo para o êxito dos alunos. (129/130)Capítulo 9 - A reforma educacionalA crise não é uma crise parcial, e as mudanças não podem ser reduzi¬das a meros ajustes. As estratégias de mudança radical, originadas fora das instituições, fracassam porque provo¬cam fortes resistências dos atores in¬ternos. As estratégias baseadas na ca¬pacidade interna são muito lentas, e acabam cedendo às pressões para satisfazer as demandas corporativas. As metodologias das reformas e a capa¬cidade para implementá-las de forma efetiva são tão importantes como os conteúdos das propostas. (131/132)O acordo educativo como base da reformaUma estratégia de transformação por consenso, por contrato entre os diferentes atores sociais, permite, por um lado, superar a concepção de que a educação é responsabilidade de um único setor e, por outro, organizar o nível de continuidade que a aplicação de estratégias, de médio e longo pra¬zo, exige. (133)À medida que o conhecimento e as capacidades das pessoas são re¬conhecidos como fundamentais para o crescimento econômico e a demo¬cracia, a definição da participação de cada setor passa a ser aspecto central. (133)O consenso pressupõe o reconhe¬cimento do outro e a negociação. Não elimina o conflito, não signifi¬ca uniformidade. Mas a busca de conciliação, mediante o diálogo e os acordos para a ação, cria um meca¬nismo pelo qual esses conflitos são resolvidos. (134)São responsabilidades do Estado a determinação de objetivos e priori¬dades; a avaliação dos resultados; o respeito às regras do jogo; a criação e implementação dos mecanismos que permitam compensar as diferenças. Essa ação requer a disponibilidade de diagnósticos precisos, de um alto grau de informação, e mecanismos de ava¬liação que permitam efetuar mudan¬ças antes que certos resultados se con¬solidem. (135/136)Reforma ou inovação institucional?Promover acordos para estratégi¬as de longo prazo pode parecer con¬traditório com uma situação que muda constante e rapidamente. No entanto, os índices mais altos de dinamismo ocorrem em sistemas que mantêm um alto grau de estabilidade em determi-nados núcleos básicos de sua estrutu¬ra. (136)Uma mudança educacional baseada nas inovações implica que se pas¬se de um enfoque de mudança centrado na oferta para um enfoque baseado no papel ativo da demanda. Nesse sentido, oferecer mais e melho¬res informações aos usuários do sis¬tema constitui a linha de ação mais promissora. (137)As estratégias de mudança educa¬cional têm um caráter sistêmicoAs mudanças dependem da interação de múltiplos fatores, que devem atuar de forma sistêmica: ações de capacitação, reforma dos conteúdos, da estrutura salarial, etc. O problema central é estabelecer a sequência e a medida em que deve mudar cada um dos componentes do sistema. (138)

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